24/12/2017

Amizade ou medo?

“Se falar com fulano, não é meu amigo.”
“Se curtir tal página, eu deleto.”
“Se não fizer o que eu quero, eu elimino”: versões dessa mensagem estão espalhadas pelas relações sociais, online e off-line, explícitas ou disfarçadas no desprezo, nas escolhas e até nas fotos de quem vai ser lembrado como estando no evento ou quem nunca vai ser visto porque não foi convidado.
As relações sociais são um campo em que todo mundo pode aprender a exercer poder. Esse é um campo, entre outros, em que se aprende a linguagem, os códigos, os símbolos e se disputa capital – não o de Marx, o de Bourdieu, não o dinheiro, o reconhecimento. E como todos que vivem em sociedade estão sujeitos ao que é feito nesse campo também, é importante refletir sobre o que cada frase, gesto ou sinalização representa.
As frases acima, para mim, representam uma coisa: tentativa de controlar o comportamento do outro pelo constrangimento. Eu também tenho desafetos. Tem gente que eu detesto, que perdeu minha confiança, mas que é amiga de amigos meus. Torço para que não os decepcione também, explico a minha versão da história quando me perguntam (porque nem todo mundo quer saber mais de uma versão, especialmente quando a primeira é dramática), mas não quero ser o tipo de pessoa que constrange relacionamentos em nome da minha visão de mundo, da minha experiência, enfim, do meu umbigo. Se meus amigos querem ser amigos dos meus desafetos, paciência. Eu não mando neles.
Tem sim gente que eu deleto das minhas redes sociais, por não ver nenhuma razão para manter. Tem gente com quem eu desisto de discutir por não ver nenhuma abertura para pensar. Mas não me lembro de ficar ameaçando as pessoas de privá-las do mundo maravilhoso que é o meu círculo de amigos caso elas discordem de mim em algum ponto.
Que qualidade tem uma relação mantida com base no medo, na pressão, na censura? São palavras fortes, sim, que têm um significado maior em outros contextos, mas dentro desse contexto – pelo menos no contexto das amizades – eu quero saber que meus amigos estão se sentindo bem, e não tentando pisar em ovos para seguir as regras que eu determino.

Assim, se você gostar de quem me traiu, espero que não se repita com você. Se você curtir uma página de que eu não gosto, espero um dia entender por que, ou que você entenda porque não deveria. Se você não fizer o que eu quero, que bom, quer dizer que você é livre para ser diferente. 

22/12/2017

guardiões da justiça - para alguns

Não é irônico que quando você denuncia algo, o perseguido seja você?
Não é ainda mais irônico que a pessoa que te persegue também tenha o hábito de denunciar empresas?
Claramente não é sobre justiça, é sobre poder. Quem pode reclamar de tudo versus quem é perseguido caso tente.

Justiça pra inglês ver enquanto quem a deturpa ainda fala mal do "povo brasileiro". 

17/12/2017

Ambição

A obrigação coletivamente instigada de ter ambição faz com que tenhamos dificuldade em assumir quando gostamos da nossa vida. Sempre tem que ter algo mais a querer, algo mais a alcançar. Achar que está tudo bem gera reações de pena de quem acha que é necessário querer sempre mais para ser alguém de valor. A questão que eu coloco é: o que alguém sempre ambicioso é capaz de aproveitar além dos fugidios momentos de avanço? Minha ambição é ser capaz de apreciar o quão boa é a minha vida, por mais que exista gente com padrões mais exigentes que os meus que ache que não.

14/12/2017

Ver o mundo

A indústria do turismo fez um ótimo trabalho de marketing ao incutir na cabeça das pessoas que elas precisam conhecer o mundo. Se antes os vilarejos da Europa eram visitados apenas por pessoas com genuíno e espontâneo interesse em sua história e modo de vida, hoje seus habitantes convivem quase diariamente com máquina fotográficas de milhares de passantes que precisam postar na internet que estiveram lá.

10/12/2017

Silêncio

O silêncio também oprime. O silêncio como resposta a uma demanda de emprego; o silêncio depois de uma tentativa de interagir; o silêncio depois de um “eu te amo”; o silêncio contínuo depois de uma briga.
Às vezes precisamos de palavras (quase sempre) e quando, na expectativa de tê-las, nos deparamos com o silêncio, muita agonia pode seguir.
Será possível pegar esse silêncio “não” e transformar em silêncio “sim”?
Pegar a ausência de resposta e transformar em paz?
Pegar a falta da conversa e transformar em uma atividade nova?

A verdade é que o silêncio pode provocar uma algazarra interior, ensurdecedora. 

03/12/2017

Além de si

E se em vez de jogarmos todos os nossos pensamentos imediatamente na internet, os escrevêssemos em um arquivo e deixássemos pra analisar depois, com outro humor, em outro contexto, como se fosse uma análise externa?
E se não dedicássemos tanto tempo a defender pontos de vista de impulso e nos permitíssemos aprender com os ataques feitos ao que pensamos?
Perdi a conta de quantas vezes discordei do meu próprio ponto de vista fazendo isso.
Será que se eu os tivesse publicado imediatamente eu me permitiria discordar?
Será que se outra pessoa discordasse de mim eu não me agarraria à ideia de ter que defender o que eu publiquei – defendendo, acima de tudo, meu ego?

Será que eu teria me permitido pensar para além de mim?

29/11/2017

Os dois lados do barulho

Moro em um lugar com barulhos variados. Dependendo da minha atividade e da sua intensidade, julgo-os. Dependendo disso e do meu humor, eles me impactam.
Há dois minutos, por exemplo, estava revisando meu currículo. Por um lado, o barulho do trânsito constante faz um plano de fundo com o qual trabalho tranquilamente; por outro, as ambulâncias e carros de bombeiros que passam inspiram um estado de alerta.

Há um barulhinho chato de reforma em algum lugar, mas está distante. Além disso, tem passarinhos gritando uns com os outros, como se conversassem, e tem uma moça cantando ópera. Sim, ópera. Acho que tem uma escola de música aqui perto, porque é frequente ouvirmos exercícios vocais. Raro é que alguém cante, como o faz agora, e por mais que seja belo e ela seja afinada, isso também tem o outro lado: não quero rever meu currículo, quero ouvir a moça cantar!

26/11/2017

Os extremos e o equilíbrio

Em um longo processo de reflexão sobre o mundo, a vida e as possibilidades de saber, concluiu que nada sabia, diante da imensidão de informação e conhecimento que já passaram e ainda passam pela humanidade.
Saiu do seu cantinho de reflexão e deparou-se com quem, não obstante a grandiosidade do mundo, pensava saber tudo, inclusive ter as respostas definitivas e inquestionáveis sobre a vida, a morte, o sentido da existência e o ideal de comportamento de todos os seres humanos, a despeito de sua história, situação ou ponto de vista.
- Exagerado – pensou – Presunçoso, arrogante.
Mas algo lhe passou despercebido: todo exagero costuma ter seu oposto. De cada lado do ponto de equilíbrio existem duas (ou mais) tendências. Se aquele que proclama aos quatro ventos tudo saber é exagerado na sua pretensão de saber, não seria exagero também achar que nada se sabe?
Afinal, ela havia estudado mais, refletido mais e tido muito, mas muito mais cuidado ao ponderar perspectivas do que aquele que lhe causou indignação. Seria mesmo certo continuar achando que nada sabia, quando em comparação, seu íntimo gritava saber ainda mais do que aquele que o proclamava?
Restava tentar enxergar o equilíbrio, que parecia distante aos dois. Apesar do equilíbrio não evocar grandes paixões, como a do homem que pensa tudo saber, reconhece conquistas. E apesar de não ser mártir de humildade, como de quem pensava nada saber, reconhece seus limites. O equilíbrio sabe que nenhum ser humano detém todo o conhecimento sobre tudo, e nem é qualificado para ditar regras de comportamento a todos os outros seres humanos. Mas ele sabe, também, que o estudo e a reflexão levam ao saber, e que esse saber não deve ser negado, especialmente quando a guerra de conhecimento é entre o que oprime por pensar que sabe tudo e o que se omite por pensar que nada sabe.
De cima do muro, local para que os extremos gostam de apontar como se fosse o limbo da humanidade, a ser rejeitado por falta de algum excesso que lhes é caro, o equilíbrio pondera e percebe o que está em jogo. Nem é prepotente a ponto de desprezar a imensidão do conhecimento humano, nem é fraco a ponto de desprezar o próprio conhecimento frente ao de outras pessoas.

Ter consciência de si não te torna um ícone de nenhuma legião de extremos; te torna sábio. 

25/11/2017

Precisamos ser mais diretos

Não importa o quão indignado você pareça no seu post de rede social - se quem causa sua indignação não vê, nada vai mudar.
Não temos influência sobre tudo, mas honestamente, a maioria das coisas que vejo postadas podem ser resolvidas diretamente antes de virar post reclamando pro nada.
Exemplos: está revoltado com a companhia de eletricidade? Reclama na ouvidoria da companhia de eletricidade.
Está indignado com o modo como uma empresa lidou com um processo seletivo? Com toda a formalidade necessária, comunique-se com a dita empresa.
Acha que seu vizinho não deveria gastar água lavando a calçada? Puxa um papo e no meio da conversa joga um "nossa, mas não vai muita água pra lavar a calçada?", ao menos pra começar sem briga.
Pra fugir de fazer tudo isso, a maioria das pessoas diz que "não adianta", mas faz algo que adianta ainda menos - postar na internet pra quem não tem nada a ver com a história.
É um monte de gente contribuindo diariamente com um clima de insatisfação geral quando uma boa parte dessas pessoas poderiam sim resolver o problema - mas não querem, só querem reclamar.

Cada vez mais me afasto das redes sociais, porque parece que é a única maneira de me aproximar de pessoas com intenções reais. 

22/11/2017

Perguntinhas para quem defende a ditadura militar:

Você engoliria tudo o que o governo impusesse calado, sob o risco de ser torturado, preso ou exilado, mesmo se fossem injustiças, desmandos e atos que só prejudicam a sua vida e a da sua família?
Ou você acredita mesmo que o governo só vai fazer o que você quer, só vai proteger quem você gosta e só vai punir quem pensa diferente de você?

A não ser que o governo seja você, meu caro, as chances disso acontecer são pífias. Assim, me diga: qual é a vantagem de uma ditadura?

19/11/2017

Se alguém diz que uma revista de que você gosta mentiu, você:

a) Lê uma outra versão da mesma história
b) Acusa a pessoa de ler outra revista mentirosa
c) Chama a pessoa de petralha ou coxinha
d) Para de falar com a pessoa

e) Confere a informação em fontes oficiais

Postura

Se você nota uma goteira na sua casa você:

a) Posta quão absurdo é que águas possam entrar em casas
b) Marca conversas com os seus amigos pra falar sobre o sistema hídrico e lamentar que a metereologia seja muito forte
c) Estuda e descobre que seus antepassados sempre tiveram goteiras, concluindo que você está predestinado a tê-las
d) Identifica alguém que você gostaria que consertasse seu telhado e reclama dessa pessoa para os seus conhecidos (jamais os dela)

e) Coloca um balde embaixo da goteira e planeja a reparação do telhado

Gentileza

É famosa a frase "gentileza gera gentileza", que muito já me fez pensar. Em um primeiro momento, a frase soou como o prenúncio de uma espécie de corrente do bem, mas a sensação durou pouco. Foi só observar com mais atenção as minhas próprias atitudes e as das pessoas ao meu redor que ficou claro que a gentileza está entre as últimas qualidades recompensadas, bem depois da esperteza, da sorte e do poder.
Dei-me conta de que quando eu era nova e meus pais se responsabilizavam pelas conquistas do que eu tinha, essa lógica parecia simples: fazer o bem e esperar boas respostas a isso – o segredo. Só que conforme fui crescendo, vivendo e tendo que lutar por posição, os dias revelaram jogos que vão muito além de receber de volta os estímulos que eu emanei; e a reflexão do fim de alguns desses dias, junto à imagem da frase de porta de geladeira me fez perceber uma coisa: a gentileza é, muitas vezes, tomada por fraqueza, e essa fraqueza vira brecha para abuso.
Em vez dessa sonhada corrente do bem, quantas vezes vi a gentileza morrer ali ao lado, como atitude de uma pessoa boba que acabou ficando com todo o trabalho para si por não se posicionar além da generosidade com o outro e nunca recebeu resposta semelhante. Quantas vezes o atendente de loja teve que ir para casa com uma porção de sapos na garganta enfiados por clientes sedentos por humilhar quem não tem condições financeiras de dar a resposta que eles merecem. A compra da tal “gentileza”. O direito ao abuso do outro concedido pela posição de cliente. Podem achar a frase simpática, mas vivem segundo outra relação: dinheiro gera subserviência, poder gera sorrisos, por mais amarelos que sejam. Gentileza? Com quem interessa.
Notei também que muitos usam a frase não para disseminar boas práticas, mas para justificar más reações, como se dissessem "se você tivesse agido como eu esperava, eu teria te tratado bem, mas não foi assim. Se gentileza gera gentileza, decepção gera decepção." Uma frase para o outro, não para si. Para que o outro aja com base no medo da sua reação; para que o outro seja gentil com você e tenha alguma esperança de que você retribua a gentileza – o que não é de forma alguma garantido.
Uma frase de três palavras, em que duas são uma palavra tão leve como "gentileza", pode muito bem ser instrumento de uma postura reativa, preguiçosa de dar o primeiro passo, que se encosta nas atitudes alheias para justificar as próprias grosserias. Justificativas como essa, que colocam sempre a culpa nos outros, são ótimas muletas para que não se reaja quando é necessária atitude. Normalmente estão na boca de pessoas que querem sempre que algum "outro" resolva o problema; que quando têm a oportunidade de agir, dizem algo como "se nunca fizeram por mim, por que sou eu quem vai fazer?" E nesse mundo de falso moralismo, em que o outro é sempre mais responsável do que eu, vamos seguindo como uma multidão de insatisfeitos, revoltosos e incompetentes, esperando que a primeira gentileza seja feita pelo outro para que, talvez, eu responda.

Como tratar a gentileza com o respeito que merece o termo? Como diferenciá-la da ingenuidade em um mundo que tem dificuldade de enxergá-la? A postura gentil precisa ser acompanhada da consciência do que se está a defender, ou será solapada por quem a toma por tolice. Gentileza nem sempre gera gentileza, não no mundo em que vivemos. E para chegar a esse mundo, são necessárias atitudes muito mais enfáticas, muito mais proativas e muito menos medrosas de ferir sentimentos.

07/11/2017

A conversa da semana

Notei uma diferença grande na frequência e intensidade do uso de redes sociais entre gente que conheci na França e quem conheço no Brasil. No Brasil, toda semana tem uma nova polêmica, uma novo absurdo, uma nova notícia diante da qual todo mundo se sente obrigado a se posicionar. Aparece texto grande, texto pequeno, meme, áudio e tudo o que é curtição e compartilhamento sobre o tópico do momento.
As pessoas que eu conheci na França mal abrem o Facebook. No entanto, elas tomam mais atitudes diante do que incomoda. Denunciam, cobram diretamente, não com textos soltos na própria timeline, mas com reclamação protocolada ao órgão responsável.
No Brasil alguém que se considere politizado fala o que acha e julga quem não falou como alienado. Vaga de emprego que aparece loucamente nas listas brazucas e que nunca vi na França: analista de redes sociais. Parece que é muito importante falar para os seus contatos. Os mais engajados ainda falam na rua, fazem cartazes, gritam. Na hora de ligar pra qualquer órgão responsável ou de denúncia, porém, é a mesma conversa “ah, mas não adianta...”, “o Brasil é assim mesmo, não tem o que fazer”, “ligar pra quê? Não vai dar em nada”, ou melhor ainda “realmente, alguém deveria ligar!”.
É profecia autorrealizada – não adianta, então vou continuar fazendo com que nunca adiante. Às vezes basta dizer diretamente a alguém que essa pessoa está errada em algo que a pessoa passa a acertar, mas a maioria das pessoas não diz e segue reclamando da pessoa pros outros, que nada podem mudar. A “denúncia” é sempre indireta – nunca para a pessoa que precisa ouvir, sempre para os próprios conhecidos, com o cuidado de que eles não sejam tão próximos de quem está sendo criticado, porque aí a coisa pode ficar real.
Não digo que ninguém possa reclamar, eu também reclamo. Mas antes me pergunto: eu posso fazer algo? Se você pode tentar mudar a realidade e não tenta, apenas publica no seu Facebook o quão absurdo é que as coisas sejam como são, você é cúmplice. Pior: cúmplice daquilo que você mesmo critica.
Publique, mas faça; escreva, mas denuncie; reclame, mas diga direta e claramente àquela pessoa que ela tem que mudar de postura; poste, mas ligue na prefeitura, fale com vereador e faça o que estiver ao seu alcance. Todo mundo precisa de desabafo, mas é evidente que a maioria dos brasileiros só desabafa, mesmo quando pode agir. 

Ninguém está fiscalizando se você dá seu palpite sobre todo assunto, mas se você der um exemplo de atitude, vai chamar a atenção de muitos. Vai chamar muita dor de cotovelo também, especialmente daqueles que não querem agir e se sentem pressionados pelo contraste que você cria, mas o que importa mais? Agradar quem quer que você não brilhe ou melhorar a realidade?

06/11/2017

o espaço dominado

Tenho notado em mim mesma uma coisa bastante perigosa: 
diante da barbárie de comentários agressivos sobre questões fundamentais como direitos humanos, feminismo, homofobia, laicidade e outras palavrinhas que despertam um alarme-ódio na cabeça das pessoas, evito o tema. 
Falo com quem tem o mínimo de profundidade no assunto e evito me manifestar em público, porque sei que terei que lidar com urros, racionalizações e apelos pessoais. 
Meu medo é que, por desânimo, o espaço de fala acabe monopolizado por quem só urra. 
Qual é o futuro disso? E como dar voz a quem está disposto a se aprofundar?

03/11/2017

É urgente uma ligação maior entre bons jornalistas e bons estudiosos.
Dados bem apresentados e mal fundamentados causam mais prejuízo do que benefício à sociedade.
Dados bem fundamentados e mal apresentados não têm impacto.
De que vale falar revoltada e profusamente de um problema e não falar com quem causa o problema nem com quem pode solucioná-lo?
Qual é o sentido dessa verborragia toda se nenhuma palha é movida?
E não adianta falar que é pra que alguém faça alguma coisa, porque isso é um ciclo sem fim. Você fala pra alguém, que fala pra alguém, que fala pra alguém e todo mundo se sente superantenado sobre algo que ri da cara de todos porque não é afetado em nada.
Quando algo puder ser feito, faça.
E antes de dizer que não adianta tentar, tente.  

02/11/2017

Não se enerve por causa de empresas como companhias telefônicas, que não agem com profissionalismo. 
Tem que processar? Processa. Mas não deixa que a forma de fazer negócios tortuosa deles tire a sua paz. 

31/10/2017

Fé nas pessoas

A desilusão no ser humano é cult, é pop, é a resposta mais fácil para o show de horrores com que somos bombardeados todos os dias. Ainda assim, teimo em acreditar nas pessoas. Teimo em admirar aqueles que, apesar do quanto a humanidade já foi amaldiçoada e culpada por tudo, ainda mantêm seu caráter e sua persistência por um mundo melhor, nem que esse mundo seja somente o seu entorno, seu quadradinho, seu dia a dia. Teimo em parecer ridícula ao não entoar junto com a massa de juízes dessa humanidade da qual parecem nem fazer parte um hino de “não tem mais jeito”, de “ninguém quer mais saber” e do confortável “por que vou eu me preocupar com isso? ”
Teimo em acreditar que apesar do estímulo à malandragem, do gosto pelo conflito e da vontade de desistir, ainda haja o peso na consciência, o amadurecimento e o respirar fundo para mais uma tentativa; que apesar das recompensas materiais e simbólicas à “esperteza”, os “certinhos” e os “quadrados” ainda sabem por que fazem o que fazem e não deixam sua ampla consciência se intimidar diante de abundantes mesquinharias.
Mesmo que isso me leve a muitas decepções, como já levou, tenho fé que omissos tomem coragem, que pilantras se envergonhem e que poderosos façam justiça quando lhes couber. No entanto, diferente de quem tem a fé como fim em si mesmo, sei que devo fazer minha parte para que essa esperança um dia se concretize. Sei que eu devo estimular os bons e apontar os ruins, apesar da doutrinação conformista que me manda ser modesta quanto ao que merece aplauso e discreta quanto ao que merece crítica. Desconfio até que essa defesa massiva da “humildade” seja uma forma de abafar quem ameaça a atenção dos juízes de torre de marfim sem feitos concretos.

Para manter a fé na humanidade como algo mais do que esperança vã, acredito no poder de mostrar com orgulho o que outros ou nós mesmos fazemos de bom; em fazer valer a esperança em nós e naqueles que merecem ser destacados; em colaborar para que reste aos pessimistas, aos preguiçosos e aos pilantras o esquecimento da história, como tropeços na nossa evolução.

24/10/2017

Divino conceito

Para além de verdades metafísicas, crenças e descrenças, proponho aqui uma análise do conceito de “deus” na comunicação cotidiana. Afinal, independente da religião, essa ideia carrega significados calcados pela cultura, pelo uso e pelo senso comum.
Quando alguém diz “meu deus!”, não é preciso perguntar que igreja a pessoa frequenta para entender seu sentido; quando expressa “se deus quiser”, não quer dizer que ignore todas as causalidades e somente espere algo de um ente sobrenatural em que acredite. Muitas vezes, não quer dizer nem que acredite em ente sobrenatural nenhum.
 A língua tem vida própria. Ela carrega consigo os significados que percebemos enquanto vivemos, mesmo que nunca tenhamos pegado em um dicionário para procurar as definições precisas das palavras. Por mais que alguns as evitem, expressões que contêm “deus” estão incorporadas à língua. O que buscarei argumentar é que essas expressões não só servem para expressar muito mais do que uma crença teísta, mas podem estar desvinculadas dela, e considero essa distinção fundamental para combater alguns preconceitos.
À primeira vista pode parecer estranho desvincular expressões com “deus” de religiões. Compreensível, a partir do momento em que a crença em deus(es) é o cerne da maioria delas. No entanto, basta um pouco mais de atenção para notar diferenças entre as expressões diárias e uma entidade cultuada por fiéis.
Comecemos por analisar alguns aspectos do deus como entidade sobrenatural: concluir o que ou quem é deus para uma igreja requer estudo, discussão e consultas a documentos fundamentais da sua história – coisa que leva tempo e atenção. Esse deus (ou deuses, no caso de religiões politeístas) seria algo exterior e anterior ao homem, não sendo possível, portanto, que a sua definição varie de pessoa para pessoa – a não ser que estejamos falando de alguma espécie de deus camaleão.
Em geral, existe uma definição, dada pela instituição religiosa que o cultua, sobre o que é esse deus. Mesmo que às vezes seja necessário estudar documentos, rever conceitos e discutir convenções, essa definição não é maleável à imaginação de cada um que se refere a ele, ou então ele não é exterior, e sim fruto da imaginação de cada um. Quando surge polêmica em torno do que é a entidade, aqueles identificados como qualificados para tal se reúnem, discutem, estudam e tentam chegar a uma conclusão. Quando existe dificuldade de entendimento sobre o que é esse deus, é necessário consultar guias, documentos e outros elementos da religião que permitam uma melhor compreensão.
Já o “deus” das expressões cotidianas não exige estudo religioso para entender o que significa dentro das expressões que a contém. Mesmo ateus e agnósticos sabem e chegam a utilizar expressões como “ai meu deus” ou “graças a deus” sem precisar discutir a definição disso com ninguém. Mesmo que um umbandista esteja falando com um evangélico, o significado de “ai meu deus” não precisa ser debatido para ser compreendido.
 Também diferente do deus da religião, não falamos aqui da evocação de um ente exterior ao homem e não sujeito a variações individuais. As expressões são utilizadas livremente, por qualquer pessoa, variando de acordo com o contexto. É possível, por exemplo, que uma pessoa diga que “graças a deus a festa acabou” e que outra diga “graças a deus a festa continuou”, sobre a mesma festa, sem entrar em conflito sobre o que algum deus realmente quis a respeito da festa em questão.
É, portanto, uma ideia que expressa o que o interlocutor está querendo dizer, não a suposta vontade de uma entidade exterior. Outra vez na direção oposta do deus-entidade, não há longas discussões acerca da existência ou da natureza do deus presente nessas frases, e ninguém parece realmente se interessar em entrar nessa questão. No fundo, não é a natureza da palavra que dá o sentido ao que se está expressando; é a expressão como um todo.
Tenho consciência de que uma análise mais adequada poderia ser feita por um linguista, com as ferramentas e métodos adequados para explicar essas diferenças. Mas tenho consciência também de que primeiro é necessário apresentar a questão e então torcer para que estudiosos da língua sem intenção de favorecimento religioso vão mais a fundo nela.
Sobre o deus-entidade já temos bastante fórum, instituições e mesmo faculdades para dissecar a questão. O segundo (o deus-conceito) é que me parece precisar de um pouco mais de luz, inclusive para parar de ser usado como argumento de discussões metafísicas imaturas. Assim, olhemos um pouco mais de perto algumas expressões populares, que podem nos dar pistas do que esse conceito diz:
“Deus me livre”, “se deus quiser”, “graças a deus”, “vá com deus” ou “ai meu deus”: são todos termos que contém uma conotação positiva, uma subjetividade carregada de valor, seja o desejo de livrar-se de algum mal, uma esperança de que algo bom aconteça, uma sensação de satisfação ou a busca de apoio em algo além de si. Essas ideias podem transmitir a ideia de que quem está conectado a “deus” tem boas intenções, espera coisas boas, evita as ruins. Poderíamos dizer, então, que a palavra “deus” vinculada ao senso comum ajuda a expressar sentimentos como esperança, solidariedade e proteção.
Outro fenômeno bastante particular do uso do conceito no cotidiano são as atribuições de autoria. Quando alguém conclui que “deus” quis alguma coisa, não quer dizer que essa pessoa tenha parado, rezado e consultado alguém sobre isso. Quando alguém diz que “deus” quis algo, essa é uma dedução própria, instantânea. No mais das vezes, as pessoas atribuem a esse “deus” desejos, decisões, acontecimentos e resultados para o que elas próprias veem, analisam e concluem. Só que buscam manter a conotação valorativa da ideia, a relação com o que o conceito exprime: solidariedade, conforto, proteção e bons sentimentos.
Aparentemente, o significado que o senso comum atribui à palavra é muito mais preservado do que a coerência com alguma crença religiosa. Se uma pessoa morre, “foi a vontade de deus”; se uma pessoa vive, “foi graças a deus”; se eu não tenho certeza de algo, mas quero que aconteça, “se deus quiser”. São conclusões automáticas, respostas prontas a situações que se repetem. Ninguém consulta a vontade de algum ser sobrenatural antes de dizer. Cada um diz quando considera adequado ao uso da palavra, ao deus-conceito.
Tamanho é o entendimento coletivo de que esse conceito carrega valores humanitários que muitas pessoas, mesmo crentes, rejeitam definições religiosas que não concordam com esses conceitos cotidianos. Sem dar-se conta, elas criam “seu deus particular” a partir do senso comum, podendo atribuir-lhe posteriormente uma forma sobrenatural, ou buscá-la na religião. Nesse ponto, em que ambas as concepções se confundem, é fortalecida a crença religiosa, emprestando força dos valores cotidianos; e os rituais religiosos repetitivos e atemorizantes reforçam a crença “interior”, que na verdade é mais uma ideia interiorizada da linguagem e dos conceitos populares.
Uma forma de perceber como esses conceitos são desvinculados é observar situações em que eles divergem em sentido. Se um líder espiritual conclui, a partir de leituras e estudos, que seu deus tem aspectos não humanitários, é muito provável que os fiéis rejeitem a definição dele antes de mudar a “sua” concepção sobre deus. Se alguém mostra a um cristão que a Bíblia contém passagens descrevendo a crueldade divina, diversos argumentos serão construídos para negar o que lhes parece uma contradição: “seu” deus sendo amor, bem, paz, solidariedade, há algo errado com essa interpretação da Bíblia. No limite, há algo errado com a Bíblia, mas nunca com o que se pensa desse deus. Porque antes desse deus ser o deus da Bíblia, ele é o do senso comum, o dos valores cotidianos, o da consciência coletiva. Esse é mais forte. Forte a ponto de fazer com que a pessoa negue definições embasadas nos próprios textos religiosos.
O IBGE não se aprofunda, em suas divulgações, na questão do quanto as pessoas mudam de igreja, mas creio que o número de igrejas diferentes dentro da mesma religião seja um bom indicativo de como o aspecto mais permanente da crença não tem origem na igreja, sendo mais provável que dê origem a ela. Como estamos tratando do senso comum brasileiro, indicarei a multiplicidade de linhas dentro da religião cristã, que teve peso extraordinário na formação cultural — e conceitual — brasileira. Um estudo mais aprofundado poderia analisar o impacto de outras religiões nessa concepção, mas sua força numérica e sua influência na educação não se comparam à primeira.
Encontramos dentro do cristianismo quatro denominações: a igreja católica romana, a ortodoxa, o Cristianismo Exotérico e os protestantes.  Na igreja católica, que preza bastante pela unicidade e pelo número de fiéis registrados sob seu título, existem congregações com características muito diversas, muitas vezes opostas, como uma que paga salários aos padres e outra em que eles fazem voto de pobreza. Existem movimentos e correntes de pensamento que em muitos aspectos diferem mais entre si do que de outras denominações cristãs, como a Renovação Carismática em relação à Teologia da Libertação, por exemplo.
Já na denominação identificada como “protestante”, é sabido que novas igrejas são abertas muito frequentemente, mas o controle de quais e quantas são criadas parece não ser tão claro para classificar. Ainda assim, uma consulta básica à Wikipédia retorna mais de 70 igrejas sob essa denominação, o que certamente não abarca todas as portinhas que se abrem com nomes diferentes em nome dessa denominação religiosa.
Se o deus cristão é um só, a diversidade de igrejas sob essa religião indica que outros elementos têm grande importância na auto identificação da pessoa com uma igreja. Apesar de desconhecer um estudo sobre isso, não é difícil notar que muitas pessoas se desligam de igrejas ou mudam de denominação, mas afirmam sem pestanejar que mantém a crença em “seu deus”. Isso acontece bastante quando a linha de uma igreja é identificada pelo fiel como incoerente com seus valores, sua moral… Seu deus, em última instância.
Outro fato notável que reforça a secularidade do conceito é como ele é utilizado por famílias para resumir o que se espera de alguém. “Deus fica triste com isso”, “deus gosta daquilo”, “deus está vendo”, “deus sabe” são expressões muito usadas para moldar o caráter de uma criança, guiá-la no sentido que a família considera adequado. Os valores da família são transmitidos por meio da alusão a uma entidade sobrenatural que, teoricamente, concorda com todos eles. “Milagrosamente”, esse deus concorda com a visão de mundo de milhões de famílias com visões de mundo diferentes!
Ao deparar-se com uma igreja que vai contra seus valores familiares, quem perde é a igreja. Se essa instituição transmite a ideia de que deus é algo identificado como ruim no que se aprendeu em casa, o que é taxado como ruim é ela, jamais deus, pois independente dos comportamentos ensinados, a ideia de “deus” é a referência para o que é bom, certo, desejável – de acordo consigo mesmo, de acordo com o que se aprendeu em casa ou se desenvolveu posteriormente – é uma ideia plástica também.
É isso o que se aprende com a linguagem, é isso o que as interações sociais reafirmam a cada uso da palavra e acredito que, no fundo, é isso o que mais importa às pessoas. Isso, no entanto, faz com que seja muito difícil para uma pessoa que crê em um deus-entidade separar religião de moral. Na medida em que a pessoa não faz a distinção entre deus-entidade (religião) e deus-conceito (opinião), ela acredita que o deus-entidade é a fonte primeira de tudo o que é positivo, e que nenhuma distinção entre metafísica e moralidade parece necessária. Um leva ao outro e se confunde com ele.
O problema dessa não dissociação é que a partir do momento em que uma pessoa se declara ateia, ela pode ser automaticamente vista como contrária não apenas à crença em uma divindade, mas também a esses nobres sentimentos que carregam seu nome: proteção, esperança, solidariedade e mesmo o amor – “coisa de deus”. E isso acontece muito. Se não há a dissociação entre a ideia de bem e a ideia de deus, quem “nega a deus” é identificado como quem nega qualquer referência que a pessoa tenha de bem. Não espanta, assim, a aceitação por um grande público das afirmações do apresentador Datena relacionando ateísmo a criminalidade. Mesmo que a maioria das pessoas nunca tenha tido problema algum com ateus, elas se sentem qualificadas para julgá-los a partir do que o conceito de deus representa para elas, porque nunca tentaram distinguir as coisas.
Diante da confusão, há ateus que incentivam o desuso da palavra, para que os sentimentos positivos sejam sempre expressos de forma religiosamente neutra. Temo que isso, no entanto, não seja tão efetivo numa sociedade majoritariamente teísta, que vai continuar disseminando o contrário. Além disso, como bem aponta Durkheim, os fatos sociais exercem uma pressão muito grande sobre a coletividade, e em especial sobre quem tenta contrariá-los, e não é difícil perceber que o deus-conceito é uma ideia com características de um fato social forte. Existem elementos importantes envolvidos nas expressões usadas, que mantém seu significado mesmo que um pequeno grupo resolva não usá-los.  Evitar essas expressões tende a ter mais efeito nos indivíduos que tentam contrariar a lógica coletiva do que na lógica em si – a própria resistência tem seu significado implícito no conceito, que nesse caso, não é a neutralidade valorativa, mas oposição aos valores carregados no conceito.
Ao me despedir de alguém dizendo “vá com deus”, eu manifesto quão preocupado estou com essa pessoa; ao dizer “deus te abençoe”, a senhorinha que carrega as definições de moralidade da casa manifesta a estima que tem por alguém; a expressão “está nas mãos de deus” quer dizer que, mesmo não havendo mais nada a fazer por alguém, meu sentimento é de desejo que algo bom ainda aconteça, reforçando a esperança em uma positividade abstrata que interfere no mundo.
Mesmo ao fazer uma oração por uma pessoa que não acredita nos efeitos dela, eu me sentirei bem, a partir do momento em que a reza, o deus e tudo o que me ensinaram que é valoroso está sendo associado ao meu caráter. Afirmar e reafirmar o conceito de deus é uma ótima forma de fazer crer, para mim e para os outros, que eu sou uma pessoa de boa índole. Quem não faz isso, antes de ser identificado como um militante da distinção entre religião e moralidade, é identificado como alguém contrário aos valores incutidos nessas representações.
Organizações identificadas como ateístas vêm tentando com muito esforço explicar que uma coisa é diferente da outra, o que é admirável; mas com certeza é precisa muita paciência para lidar com algo tão enraizado e entender que qualquer pequena mudança acontecerá em longo prazo. Parte dessa mudança é o entendimento das origens do preconceito, que nem sempre são a intolerância ou o mau caráter de quem mistura as coisas, mas podem ser a falta de uma reflexão mais cuidadosa sobre conceitos que absorvemos e reproduzimos sem nos darmos conta do que podem provocar.


17/10/2017

Frases feitas

Dia 1: Lute pelos seus direitos, não se aliene e não se conforme!
Dia 2: Seja humilde, queira menos, não reclame da realidade que tem.
É possível lutarmos pra que a realidade melhore quando somos constantemente alvejados por acusações de que reclamar é ser ingrato, querer mais é vaidade, não se conformar é querer demais?
Frases feitas podem ser belas, inspiradoras e fazer o maior sentido se nos esforçarmos para associá-las a situações particulares. Mas racionalismo é ir um pouco além, analisando se faz mesmo sentido em um contexto mais amplo, se é coerente com outras coisas que defendemos, que queremos e que praticamos.
De que vale levantar uma bandeira por melhores condições de trabalho quando você diz ao seu colega que ele não deveria reclamar do que tem? De que vale criticar a opressão capitalista quando você dissemina a lógica do mercado como algo que, mais do que inevitável, deve ser interiorizado?

Frases feitas são quase um horóscopo de revista de segunda: podem ter a ver com o que você está vivendo, você consegue até achar alguma situação da sua vida que se relacione ao assunto, mas cuidado ao basear todo o seu pensamento na sua aparente profundidade.

03/10/2017

Crítica e autocrítica

Às vezes é importante perguntar-se se a sua crítica não te cega. Já vi inúmeros exemplos de pessoas que ignoram o sentido, a intenção ou o argumento principal de outra porque no meio do discurso havia uma vírgula que podia ser atacada.
Perdemos oportunidades valiosas de crescer quando tapamos o ouvido ao que as pessoas têm a dizer em nome do "mas": "mas você poderia ter feito mais do que fez”; “mas o seu argumento teria muito mais valor se abrangesse mais coisas”; “mas isso o que você disse no meio do seu tratado de filosofia é uma metáfora que tem um defeito”.

Cabe se perguntar: a crítica que eu vou fazer é realmente relevante para o que está em jogo, ou eu apenas estou tentando tirar a relevância da ideia do outro para ganhar a discussão?

28/09/2017

Quando o cara que se masturba em público faz isso na França

Notícia de hoje, relativa a uma estação de trem bem próxima de onde eu morava:
Mesmo problema, diferente forma de lidar: o cara baixava as calças e se masturbava diante de mulheres em estações de trem há cerca de dez anos. Passou por tratamento mental e foi liberado. Ficou um bom tempo sem fazer isso e recentemente começou de novo.
Não houve flagrante – o que é compreensível, pois as estações de trem mencionadas são bem vazias, quase nem tem funcionários, quanto menos polícia (a gente costumava dizer que morava na roça e eles concordam). Uma mulher identificou o cara fora de contexto, avisou a polícia, a polícia investigou com a vizinhança, localizou o cara, interrogou e prendeu. Ele vai ficar na prisão por 18 meses.
Uma coisa que tem me incomodado muito ultimamente é o tanto de gente que posta opiniões revoltadas no Facebook e acha que com isso faz alguma coisa de relevante. As pessoas que conheci na França mal usavam Facebook, quando usavam era pra questões mais interessantes, como dicas de estudos. Não tinha essa coisa da polêmica da semana, em que todo mundo tem que escrever alguma coisa pra se sentir militante.
Refletindo a respeito da notícia vista hoje, fica claro que a comparação que eu faço da reação do público é injusta. Demorou pro cara ser preso, ele fez isso com nove mulheres até ser pego, mas foi. A polícia foi atrás e, quando pegou, prendeu.
A justiça brasileira é extremamente ineficaz pra aplicar qualquer medida e isso gera muita frustração. Resultado: milhões de posts em redes sociais que não resultam em nada, mas desentalam as indignações constantes da goela de quem assiste as coisas acontecerem – pelo menos enquanto duram as curtidas dos amigos. 
É isso. Como boa brasileira, faço meu post, que não vai mudar nada, mas por algum motivo achei que tinha que publicar. 

26/09/2017

Sobre a "cura gay"

Com a aprovação de tratamento para a homessexualidade a psicologia acolhe em seu seio o espírito “não gosto, tem que proibir”. Nesse caso, “não gosto, tem que curar”. Temos milhões de adultos sem capacidade de lidar com a realidade, muitos deles com poder legislativo.
Depois dessa, nos preparemos para outras intrusões amadoras em profissões que deveriam carregar responsabilidade sobre saúde mental. Em um contexto em que práticas médicas são liberadas à opinião de grupos coletivamente doentes, ninguém vai precisar assumir responsabilidade por nada. O tratamento não funcionou? Ah, ela não teve fé o bastante, não foi a pílula de açúcar que eu dei em vez da quimioterapia. Ele está vendo espíritos que pedem que mate outras pessoas? Mas eu tenho que respeitar a visão metafísica dele! Se eu tentar suprimir isso com remédios eu estou ferindo a liberdade religiosa. A pessoa cometeu suicídio? Mas ela tem o direito de se achar indigna de viver, quem sou eu pra mudar isso?

A noção de liberdade em nossos dias é uma desculpa pra deixar que as pessoas se façam mal sem ajudar efetivamente. Foucault já previa. Antes, deixava-se viver e fazia-se morrer. Hoje, faz-se viver e deixa-se morrer – com o carimbo de profissões como a psicologia. 

19/09/2017

Certo e errado

Houve uma época em que eu pensava poder fazer tudo certo. O resultado mais claro é que eu reprimi o que eu achava errado em mim, porque não queria assumir que havia algo errado - e que sempre haverá, por mais que nos esforcemos em ser certos. Acontece que a repressão costuma se comportar como uma mola: quanto mais você oprime, mais violentamente ela tenta voltar ao seu estado original. O que eu sentia de moralmente condenável ganhou cores, complexidades, fez um labirinto dentro de mim que resultou em reações vis, respostas azedas e distribuição de julgamentos cruéis por uma pessoa que - vejam que coisa - só estava tentando fazer tudo certo.
Demorou, mas eu consegui me libertar de boa parte dos meus padrões de normalidade, frequentemente auto impostos. Cada vez que eu consegui assumir minhas partes “erradas” eu consegui lidar melhor com elas, entendê-las, trabalhá-las e, finalmente, não deixar que elas me deixassem agir de forma tão prejudicial quanto deixaram no passado.
Hoje muita gente me condena por dizer o que eu penso. Na verdade, me condenam por pensar o que eu quero e não ter vergonha disso. Me condenam por não seguir a sua moral, a sua religião, a sua posição política e outras normas que eu me forçava a seguir antes, com sérias consequências ao meu bem estar mental e, consequentemente, ao dos que me rodeavam.
Eu sei que se eu continuasse nessa política de boa menina que concorda com tudo o que pensam, eu infernizaria a vida de todos com amargura mal trabalhada. Ainda assim, muitos preferem direcionar sua amargura em julgamentos a quem eu sou hoje do que lidar com seus próprios demônios e parar de impor falsas normalidades.


12/09/2017

Terceirização de soluções




Não sei se devido à baixa qualidade de tantas instituições de ensino ou devido à preguiça de se especializar, é cada vez mais frequente formadores de opinião e detentores de poder apontarem e proporem saídas simplistas para problemas muito complexos. Além de tentarem identificar desesperadamente causas simples para os problemas (pobreza=crime; jogos de vídeo game=agressividade; falta de religião=imoralidade) instituições importantes como a escola, o trabalho e as cadeias têm sido usadas como instrumento prioritário de propostas amadoras.
A escola é alvo de propostas intermináveis de adição de conteúdo na grade curricular. A despeito da formação dos professores, da estrutura da sala de aula, dos métodos de ensino ou avaliação, cada proponente acha que incluindo uma disciplina a mais na grade estará promovendo uma educação de qualidade.
É obrigatório incluir pessoas com deficiência em sala de aula; mas não necessariamente instruir os professores a lidar com elas. É obrigatório o ensino da cultura africana, mas pede-se isso de professores que não tiveram esse conteúdo durante a própria formação e não têm estímulo para se preparar. É opcional o ensino religioso; mas não só não há prevenção contra a opressão e o proselitismo, como os próprios representantes do Estado brigam para que a sua visão religiosa prevaleça sobre as demais.
Alguns dos muitos exemplos de propostas que focam na inclusão de disciplinas em um sistema que mal funciona com as disciplinas atuais:
  • PLC 784-2015: Incluirá a disciplina de educação no trânsito no currículo escolar da educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.
  • PLC 623-2015: Incluirá no currículo escolar as disciplinas Educação Política, Noções de direitos básicos, Educação ambiental e Primeiros socorros.
  • PLC 7155-2014: Incluirá o tema “Educação Financeira” na disciplina Matemática.
  • PLC – 15 / 2011: Incluirá a disciplina Educação Ambiental no ensino fundamental e médio das escolas públicas e privadas.
  • PLC – 7450 / 2010: Incluirá no currículo da educação básica a disciplina “Leitura e Educação para as Mídias”, para oferecer aos estudantes a possibilidade de análise crítica do que a mídia expõe, seja pelos canais de TV e rádio ou por veículos impressos.
  • PLC - 256 / 2011: Incluirá os Direitos Humanos no currículo da educação básica com o objetivo de torná-los conhecidos pelos estudantes brasileiros.
  • PLS – 254 / 2010: Incluirá no currículo de educação do ensino médio o destaque para os direitos e garantias fundamentais inscritos na Constituição Federal
  • PLC 5960-2013: Incluirá as disciplinas Organização Social e Política do Brasil, e Educação Moral e Cívica no currículo escolar do ensino fundamental e ensino médio.
  • PLC – 424 / 2011: Incluirá no ensino fundamental e médio noções de educação alimentar e nutricional.
A escola está carente de soluções pedagógicas; de reformulação em sua orientação para a vida, o mercado, a academia ou qualquer outra linha que decida trabalhar; está carente de gente que formule propostas para problemas identificados em estudos sérios; carente de coerência de quem as dirige, de preocupação de quem é responsável por elas, de um direcionamento mais sábio do que o vestibular ou a meta de passar o máximo de alunos possível sem critérios adequados. Ainda assim o que se vê são apenas adições a uma grade curricular há muito questionável.
Empresas também têm sido alvo dessa simplificação generalizada. A elas são atribuídas obrigações com o intuito de promover mudanças sociais sem garantia nenhuma de contrapartida governamental para que essas mudanças sejam impulsionadas. No caso de empresas que prestam serviços para o poder público, são necessárias tantas certidões, regularidades e documentos comprobatórios de critérios instituídos progressivamente pelo poder público que, na prática, as licitações ficam nas mãos de raras pessoas que se concentram mais em se adaptar ao esquema da documentação do que na qualidade dos serviços prestados. Basta pesquisar processos públicos de licitações e enumerar a quantidade de requisitos exigidos para concorrer nelas. Não há como pensar em melhoria da qualidade dos produtos e serviços públicos se forem cerceadas as possibilidades de bons profissionais trabalharem para o governo, em nome da terceirização de “soluções” para problemas fiscais, que na prática não solucionam nada, pois a maioria das empresas continua não cumprindo os critérios estabelecidos e vendendo seus produtos e serviços a outros que os comprem.
Empresas privadas são obrigadas a cumprir a Lei de Cotas, mas os próprios agentes do governo não sabem como funciona o BPC, a reabilitação ou a aprendizagem de pessoas com deficiência – medidas que, em tese, incentivam as pessoas com deficiência a procurarem emprego. Diante de críticas sobre a baixa contratação registrada, invariavelmente é a empresa privada que é a grande culpada, com seus preconceitos e sua falta de eficiência em cumprir a lei, quando as próprias equipes governamentais não conseguem nem fazer a fiscalização ou ao menos apresentar dados confiáveis sobre o assunto. Recomendo a qualquer um tentar comparar os dados da RAIS com os do IBGE ou mesmo do Seade e tentar tirar alguma conclusão a respeito da inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho – isso depois de passar pelo processo de conseguir esses dados, é claro.
 As empresas devem registrar a nota fiscal com o CPF do consumidor, e o consumidor deve conferir e denunciar quando a empresa não o faz, para que cumpra sua obrigação. A secretaria de finanças (do estado de São Paulo, pelo menos) não responde a denúncias do consumidor no prazo necessário, sabe-se lá se fiscaliza as empresas que não registram o CPF e se isenta de qualquer responsabilidade em fazer a sua parte.[1]
O sistema judiciário é outro exemplo gritante. Enquanto processos levam anos para serem lidos, analisados e julgados, enquanto há pessoas que ficam presas por mais tempo do que sua sentença condena e não há um plano de reintegração social efetivo que previna crimes futuros quando a pessoa sai da prisão, nossos representantes só sabem propor leis que coloquem mais gente na prisão. Alguns (entre muitos) exemplos:
 PLC 7776/2010 – Penalizará o ato de consumir bebida alcoólica em local público, com prisão de dez dias a um mês ou pagamento de multa.
PLS – 288/2011 - Aumentará a pena máxima do crime de pichação de 1 para 4 anos de prisão, e tornará obrigatória a identificação dos compradores de tubos de pulverização de tinta, para monitorar o uso responsável e legal deste produto.
PLS 347/2011 – Proibirá a divulgação de pesquisas contratadas por candidatos e partidos políticos, e punirá com prisão, de 6 meses a 1 ano, e multa de 500 mil a 1 milhão de reais aquele que divulgar pesquisas de opinião com fraude.
PLC 1573/2011 – Criará o crime de “Bullyin”, punindo com prisão de 1 a 4 anos, aquele que ofender repetidamente a integridade moral ou física de outra pessoa, com o objetivo de causar constrangimento público, estabelecendo pena de prestação de serviços à comunidade ao adolescente que praticar este crime.
PLC 2701/2011 - Classificará como crime a atividade de flanelinha (guardador de carro) com prisão de 4 anos.
PLC 1905/2011 - Fará com que o usuário de drogas seja internado obrigatoriamente pelo prazo indicado no laudo médico, aplicando pena de prisão por até 30 dias do usuário que se recusar a cumprir a determinação judicial.
PLS 350/2011 - Punirá com prisão, de 1 a 6 meses, ou multa o bancário que causar prejuízos ou transtornos ao cliente do banco como, por exemplo, cobrar por serviços não solicitados ou deixar o cliente esperando por longo tempo.
O clamor pela redução da maioridade penal diante de crimes cometidos por adolescentes entra na mesma lógica. Basta colocar na prisão, o problema acaba. Vai ter mais crimes de outros adolescentes porque ninguém tem capacidade de trabalhar sobre as causas? Coloca os outros na prisão também. Vai ter gente mais nova cometendo crimes pra tentar escapar da prisão? Diminui de novo e prende criança. Essa é a lógica dos gênios da política brasileira. Acham que as soluções para os problemas sociais são simples e se dispõem a se afundar em uma guerra eterna contra crimes cujas causas não são a falta de prisões. Sua concepção de Estado ideal é aquela em que todos que não fazem o que eles pensam estão presos. Se levarmos em conta a quantidade e a rotatividade de pessoas que propõem isso todos os anos, troquemos as cidades por grandes penitenciárias!
Não sei se isso se restringe ao nosso país, mas é fato que por aqui existe uma ambição enorme de muita gente que alcança o poder de fazer com que os outros trabalhem e lavar as mãos com relação à própria responsabilidade de fazer a realidade mudar. Mesmo em pequena escala, é comum ver pessoas que galgaram alguma posição entenderem que ganharam o direito de fazer menos por isso, de mandar que outros façam. O poder, que deveria significar a capacidade de fazer as coisas acontecerem, ganha o sentido de um título que dá a quem o detém uma bela desculpa pra não fazer nada e cobrar de quem está abaixo, ou pelo menos em outro lugar, que o faça - de preferência sem reclamar, de preferência engolindo toda a frustração de não ter poder em um sistema podre, sob o risco de ser preso ou censurado.
Não tenho resposta a todos os problemas sociais brasileiros, mas ao menos uma coisa eu sei: escolas, empresas e cadeias não são caixinhas mágicas em que se colocam ideias imaturas, misturam-se pessoas e saem futuros brilhantes.


[1] Posso afirmá-lo porque eu mesma tive o trabalho de acompanhar, denunciar e ser jogada de um serviço a outro quando solicitei um retorno, com comprovações em forma de e-mails e formulários eletrônicos.

05/09/2017

Caridade ou justiça



Quando você realmente se importa com o sofrimento alheio mais do que com a sua própria imagem de alma bondosa, você não se contenta com a caridade pura e simples. Quando você quer que alguém tenha uma vida melhor, você acha pouco dar-lhe ajuda financeira uma vez ou outra; acha pouco dar-lhe um casaco quando está frio; quer entender por que a pessoa não consegue sair daquela situação; quer entender por que é tão fácil para algumas pessoas terem tudo na vida desde o nascimento e tão difícil para tantas outras conseguirem o básico durante a vida toda. 
Quando você se preocupa, você não vota em qualquer pessoa pelo discurso, você não fica em paz enquanto não estudar um pouco mais o sistema socioeconômico, você não acha bonito que uma pessoa ache um prato de comida ou um pouco de conforto coisa de outro mundo. 
A filantropia é o primeiro passo, não o fim em si. A filantropia é o primeiro ato de ajuda de quem, depois, vai tentar contribuir com um mundo melhor. Quem se contenta com ela é porque não está focado no bem de que o outro precisa, mas apenas no bem psicológico para si próprio com o ato da ajuda. 
Quem realmente se importa espera pelo dia em que a caridade não mais exista, por não ser mais necessária; pelo dia em que as pessoas são recompensadas por seus esforços e têm condições mínimas de vida garantidas. É claro que enquanto este dia não chega, a filantropia é necessária. No entanto, ela não é a solução para a injustiça social. Aliás, enquanto uma parte da população tiver condições de separar aquilo o que não lhe interessa para fazer caridade à outra parte, não existe justiça – existe distribuição de uma pequena parte do acúmulo.
As regras em que vivemos não são justas, e na ausência de um sistema político e econômico que respeite a dignidade humana, aqueles que separam uma parte do que lhes sobra para dividir com outros são um paliativo para o sofrimento. Mas não queira me convencer que um empresário que extrai lucro dos baixos salários de seus empregados, mas dá sopa aos pobres duas vezes por ano é santo. Não queira me convencer que uma pessoa que recebeu investimentos milionários dos pais para conseguir educar-se e empregar-se bem é mais merecedor do que quem não tinha o que comer na hora do recreio.
A caridade é linda em meio a um mundo de miséria, por isso eu torço para o dia em que não exista mais caridade no mundo.