29/11/2017

Os dois lados do barulho

Moro em um lugar com barulhos variados. Dependendo da minha atividade e da sua intensidade, julgo-os. Dependendo disso e do meu humor, eles me impactam.
Há dois minutos, por exemplo, estava revisando meu currículo. Por um lado, o barulho do trânsito constante faz um plano de fundo com o qual trabalho tranquilamente; por outro, as ambulâncias e carros de bombeiros que passam inspiram um estado de alerta.

Há um barulhinho chato de reforma em algum lugar, mas está distante. Além disso, tem passarinhos gritando uns com os outros, como se conversassem, e tem uma moça cantando ópera. Sim, ópera. Acho que tem uma escola de música aqui perto, porque é frequente ouvirmos exercícios vocais. Raro é que alguém cante, como o faz agora, e por mais que seja belo e ela seja afinada, isso também tem o outro lado: não quero rever meu currículo, quero ouvir a moça cantar!

26/11/2017

Os extremos e o equilíbrio

Em um longo processo de reflexão sobre o mundo, a vida e as possibilidades de saber, concluiu que nada sabia, diante da imensidão de informação e conhecimento que já passaram e ainda passam pela humanidade.
Saiu do seu cantinho de reflexão e deparou-se com quem, não obstante a grandiosidade do mundo, pensava saber tudo, inclusive ter as respostas definitivas e inquestionáveis sobre a vida, a morte, o sentido da existência e o ideal de comportamento de todos os seres humanos, a despeito de sua história, situação ou ponto de vista.
- Exagerado – pensou – Presunçoso, arrogante.
Mas algo lhe passou despercebido: todo exagero costuma ter seu oposto. De cada lado do ponto de equilíbrio existem duas (ou mais) tendências. Se aquele que proclama aos quatro ventos tudo saber é exagerado na sua pretensão de saber, não seria exagero também achar que nada se sabe?
Afinal, ela havia estudado mais, refletido mais e tido muito, mas muito mais cuidado ao ponderar perspectivas do que aquele que lhe causou indignação. Seria mesmo certo continuar achando que nada sabia, quando em comparação, seu íntimo gritava saber ainda mais do que aquele que o proclamava?
Restava tentar enxergar o equilíbrio, que parecia distante aos dois. Apesar do equilíbrio não evocar grandes paixões, como a do homem que pensa tudo saber, reconhece conquistas. E apesar de não ser mártir de humildade, como de quem pensava nada saber, reconhece seus limites. O equilíbrio sabe que nenhum ser humano detém todo o conhecimento sobre tudo, e nem é qualificado para ditar regras de comportamento a todos os outros seres humanos. Mas ele sabe, também, que o estudo e a reflexão levam ao saber, e que esse saber não deve ser negado, especialmente quando a guerra de conhecimento é entre o que oprime por pensar que sabe tudo e o que se omite por pensar que nada sabe.
De cima do muro, local para que os extremos gostam de apontar como se fosse o limbo da humanidade, a ser rejeitado por falta de algum excesso que lhes é caro, o equilíbrio pondera e percebe o que está em jogo. Nem é prepotente a ponto de desprezar a imensidão do conhecimento humano, nem é fraco a ponto de desprezar o próprio conhecimento frente ao de outras pessoas.

Ter consciência de si não te torna um ícone de nenhuma legião de extremos; te torna sábio. 

25/11/2017

Precisamos ser mais diretos

Não importa o quão indignado você pareça no seu post de rede social - se quem causa sua indignação não vê, nada vai mudar.
Não temos influência sobre tudo, mas honestamente, a maioria das coisas que vejo postadas podem ser resolvidas diretamente antes de virar post reclamando pro nada.
Exemplos: está revoltado com a companhia de eletricidade? Reclama na ouvidoria da companhia de eletricidade.
Está indignado com o modo como uma empresa lidou com um processo seletivo? Com toda a formalidade necessária, comunique-se com a dita empresa.
Acha que seu vizinho não deveria gastar água lavando a calçada? Puxa um papo e no meio da conversa joga um "nossa, mas não vai muita água pra lavar a calçada?", ao menos pra começar sem briga.
Pra fugir de fazer tudo isso, a maioria das pessoas diz que "não adianta", mas faz algo que adianta ainda menos - postar na internet pra quem não tem nada a ver com a história.
É um monte de gente contribuindo diariamente com um clima de insatisfação geral quando uma boa parte dessas pessoas poderiam sim resolver o problema - mas não querem, só querem reclamar.

Cada vez mais me afasto das redes sociais, porque parece que é a única maneira de me aproximar de pessoas com intenções reais. 

22/11/2017

Perguntinhas para quem defende a ditadura militar:

Você engoliria tudo o que o governo impusesse calado, sob o risco de ser torturado, preso ou exilado, mesmo se fossem injustiças, desmandos e atos que só prejudicam a sua vida e a da sua família?
Ou você acredita mesmo que o governo só vai fazer o que você quer, só vai proteger quem você gosta e só vai punir quem pensa diferente de você?

A não ser que o governo seja você, meu caro, as chances disso acontecer são pífias. Assim, me diga: qual é a vantagem de uma ditadura?

19/11/2017

Se alguém diz que uma revista de que você gosta mentiu, você:

a) Lê uma outra versão da mesma história
b) Acusa a pessoa de ler outra revista mentirosa
c) Chama a pessoa de petralha ou coxinha
d) Para de falar com a pessoa

e) Confere a informação em fontes oficiais

Postura

Se você nota uma goteira na sua casa você:

a) Posta quão absurdo é que águas possam entrar em casas
b) Marca conversas com os seus amigos pra falar sobre o sistema hídrico e lamentar que a metereologia seja muito forte
c) Estuda e descobre que seus antepassados sempre tiveram goteiras, concluindo que você está predestinado a tê-las
d) Identifica alguém que você gostaria que consertasse seu telhado e reclama dessa pessoa para os seus conhecidos (jamais os dela)

e) Coloca um balde embaixo da goteira e planeja a reparação do telhado

Gentileza

É famosa a frase "gentileza gera gentileza", que muito já me fez pensar. Em um primeiro momento, a frase soou como o prenúncio de uma espécie de corrente do bem, mas a sensação durou pouco. Foi só observar com mais atenção as minhas próprias atitudes e as das pessoas ao meu redor que ficou claro que a gentileza está entre as últimas qualidades recompensadas, bem depois da esperteza, da sorte e do poder.
Dei-me conta de que quando eu era nova e meus pais se responsabilizavam pelas conquistas do que eu tinha, essa lógica parecia simples: fazer o bem e esperar boas respostas a isso – o segredo. Só que conforme fui crescendo, vivendo e tendo que lutar por posição, os dias revelaram jogos que vão muito além de receber de volta os estímulos que eu emanei; e a reflexão do fim de alguns desses dias, junto à imagem da frase de porta de geladeira me fez perceber uma coisa: a gentileza é, muitas vezes, tomada por fraqueza, e essa fraqueza vira brecha para abuso.
Em vez dessa sonhada corrente do bem, quantas vezes vi a gentileza morrer ali ao lado, como atitude de uma pessoa boba que acabou ficando com todo o trabalho para si por não se posicionar além da generosidade com o outro e nunca recebeu resposta semelhante. Quantas vezes o atendente de loja teve que ir para casa com uma porção de sapos na garganta enfiados por clientes sedentos por humilhar quem não tem condições financeiras de dar a resposta que eles merecem. A compra da tal “gentileza”. O direito ao abuso do outro concedido pela posição de cliente. Podem achar a frase simpática, mas vivem segundo outra relação: dinheiro gera subserviência, poder gera sorrisos, por mais amarelos que sejam. Gentileza? Com quem interessa.
Notei também que muitos usam a frase não para disseminar boas práticas, mas para justificar más reações, como se dissessem "se você tivesse agido como eu esperava, eu teria te tratado bem, mas não foi assim. Se gentileza gera gentileza, decepção gera decepção." Uma frase para o outro, não para si. Para que o outro aja com base no medo da sua reação; para que o outro seja gentil com você e tenha alguma esperança de que você retribua a gentileza – o que não é de forma alguma garantido.
Uma frase de três palavras, em que duas são uma palavra tão leve como "gentileza", pode muito bem ser instrumento de uma postura reativa, preguiçosa de dar o primeiro passo, que se encosta nas atitudes alheias para justificar as próprias grosserias. Justificativas como essa, que colocam sempre a culpa nos outros, são ótimas muletas para que não se reaja quando é necessária atitude. Normalmente estão na boca de pessoas que querem sempre que algum "outro" resolva o problema; que quando têm a oportunidade de agir, dizem algo como "se nunca fizeram por mim, por que sou eu quem vai fazer?" E nesse mundo de falso moralismo, em que o outro é sempre mais responsável do que eu, vamos seguindo como uma multidão de insatisfeitos, revoltosos e incompetentes, esperando que a primeira gentileza seja feita pelo outro para que, talvez, eu responda.

Como tratar a gentileza com o respeito que merece o termo? Como diferenciá-la da ingenuidade em um mundo que tem dificuldade de enxergá-la? A postura gentil precisa ser acompanhada da consciência do que se está a defender, ou será solapada por quem a toma por tolice. Gentileza nem sempre gera gentileza, não no mundo em que vivemos. E para chegar a esse mundo, são necessárias atitudes muito mais enfáticas, muito mais proativas e muito menos medrosas de ferir sentimentos.

07/11/2017

A conversa da semana

Notei uma diferença grande na frequência e intensidade do uso de redes sociais entre gente que conheci na França e quem conheço no Brasil. No Brasil, toda semana tem uma nova polêmica, uma novo absurdo, uma nova notícia diante da qual todo mundo se sente obrigado a se posicionar. Aparece texto grande, texto pequeno, meme, áudio e tudo o que é curtição e compartilhamento sobre o tópico do momento.
As pessoas que eu conheci na França mal abrem o Facebook. No entanto, elas tomam mais atitudes diante do que incomoda. Denunciam, cobram diretamente, não com textos soltos na própria timeline, mas com reclamação protocolada ao órgão responsável.
No Brasil alguém que se considere politizado fala o que acha e julga quem não falou como alienado. Vaga de emprego que aparece loucamente nas listas brazucas e que nunca vi na França: analista de redes sociais. Parece que é muito importante falar para os seus contatos. Os mais engajados ainda falam na rua, fazem cartazes, gritam. Na hora de ligar pra qualquer órgão responsável ou de denúncia, porém, é a mesma conversa “ah, mas não adianta...”, “o Brasil é assim mesmo, não tem o que fazer”, “ligar pra quê? Não vai dar em nada”, ou melhor ainda “realmente, alguém deveria ligar!”.
É profecia autorrealizada – não adianta, então vou continuar fazendo com que nunca adiante. Às vezes basta dizer diretamente a alguém que essa pessoa está errada em algo que a pessoa passa a acertar, mas a maioria das pessoas não diz e segue reclamando da pessoa pros outros, que nada podem mudar. A “denúncia” é sempre indireta – nunca para a pessoa que precisa ouvir, sempre para os próprios conhecidos, com o cuidado de que eles não sejam tão próximos de quem está sendo criticado, porque aí a coisa pode ficar real.
Não digo que ninguém possa reclamar, eu também reclamo. Mas antes me pergunto: eu posso fazer algo? Se você pode tentar mudar a realidade e não tenta, apenas publica no seu Facebook o quão absurdo é que as coisas sejam como são, você é cúmplice. Pior: cúmplice daquilo que você mesmo critica.
Publique, mas faça; escreva, mas denuncie; reclame, mas diga direta e claramente àquela pessoa que ela tem que mudar de postura; poste, mas ligue na prefeitura, fale com vereador e faça o que estiver ao seu alcance. Todo mundo precisa de desabafo, mas é evidente que a maioria dos brasileiros só desabafa, mesmo quando pode agir. 

Ninguém está fiscalizando se você dá seu palpite sobre todo assunto, mas se você der um exemplo de atitude, vai chamar a atenção de muitos. Vai chamar muita dor de cotovelo também, especialmente daqueles que não querem agir e se sentem pressionados pelo contraste que você cria, mas o que importa mais? Agradar quem quer que você não brilhe ou melhorar a realidade?

06/11/2017

o espaço dominado

Tenho notado em mim mesma uma coisa bastante perigosa: 
diante da barbárie de comentários agressivos sobre questões fundamentais como direitos humanos, feminismo, homofobia, laicidade e outras palavrinhas que despertam um alarme-ódio na cabeça das pessoas, evito o tema. 
Falo com quem tem o mínimo de profundidade no assunto e evito me manifestar em público, porque sei que terei que lidar com urros, racionalizações e apelos pessoais. 
Meu medo é que, por desânimo, o espaço de fala acabe monopolizado por quem só urra. 
Qual é o futuro disso? E como dar voz a quem está disposto a se aprofundar?

03/11/2017

É urgente uma ligação maior entre bons jornalistas e bons estudiosos.
Dados bem apresentados e mal fundamentados causam mais prejuízo do que benefício à sociedade.
Dados bem fundamentados e mal apresentados não têm impacto.
De que vale falar revoltada e profusamente de um problema e não falar com quem causa o problema nem com quem pode solucioná-lo?
Qual é o sentido dessa verborragia toda se nenhuma palha é movida?
E não adianta falar que é pra que alguém faça alguma coisa, porque isso é um ciclo sem fim. Você fala pra alguém, que fala pra alguém, que fala pra alguém e todo mundo se sente superantenado sobre algo que ri da cara de todos porque não é afetado em nada.
Quando algo puder ser feito, faça.
E antes de dizer que não adianta tentar, tente.  

02/11/2017

Não se enerve por causa de empresas como companhias telefônicas, que não agem com profissionalismo. 
Tem que processar? Processa. Mas não deixa que a forma de fazer negócios tortuosa deles tire a sua paz.