Bons
resultados em qualquer coisa dependem de muitos fatores, entre eles sorte,
contexto, concorrência, oportunidade e mérito. Os dois últimos, no entanto,
parecem ter um papel crucial nas concepções de mundo de extremos políticos.
Enquanto esquerdistas extremos tendem a atribuir às oportunidades de vida um
peso muito maior do que qualquer outro fator para a determinação do sucesso de
alguém, os direitistas extremos tendem a jogar toda a explicação para a
situação das pessoas no esforço que essas pessoas fizeram (ou deixaram de
fazer) para chegar ou não a algum lugar. Enquanto os primeiros tendem a
vitimizar radicalmente os pobres, os segundos tendem a culpá-los, e isso
extrapola os resultados econômicos.
Chamou minha
atenção, um dia, a oposição de duas falas em relação à capacidade de fazer
escolhas. Uma mulher lamentava-se amargamente do fato de a sua escola não ter
mostrado possibilidades de carreira quando era adolescente. Dizia que por isso
ela havia feito uma escolha ruim e estava insatisfeita no trabalho. Diante
dessa fala, um moço satirizou a sua postura, dizendo que isso era culpa dela,
pois ficou esperando que a escola lhe desse todas as respostas. Por um lado,
uma pessoa se vitimizando pelo que o meio não lhe proporcionou; por outro, uma
pessoa condenando-a por não definir o próprio destino a despeito do meio.
Eu conhecia
aquele moço que fazia a crítica. Uma das características que mais se destacava
nele era a “inteligência” - uma capacidade de decodificar tarefas e responder a
desafios com velocidade acima da média. Quase toda a formação dele foi no colégio
Bandeirantes. Aos que não conhecem, esse é um dos colégios mais caros de São
Paulo, em que crianças são treinadas desde pequenas a produzir resultados, por
meio de metodologias de ensino que atinjam desde o aluno mais estudioso até
aquele que se encosta na postura de rebelde. Tem feiras de exposição sobre
profissões, conselheiros, psicólogos e todo tipo de recurso que alguém pode ter
para desenvolver-se e fazer escolhas.
Achei muito
curioso como, após ter recebido toda ajuda possível do meio, ele considerava
que ninguém deveria precisar dela, mas simplesmente descobrir o mundo por si
só. O tom de sátira na sua voz deixava claro que ele se considerava
intrinsecamente mais inteligente do que a moça insatisfeita, e parecia gozar de
certo prazer com o fato dela estar em uma carreira ruim, como um castigo por
não ser tão “inteligente” como ele.
Não cheguei a
conhecer a moça para saber se ela não teve outras oportunidades de procurar uma
boa carreira. Acho muito difícil que a única referência existente na vida dela
tenha sido a escola. Sem saber que oportunidades ela teve e se soube
aproveitá-las não dá pra dizer muita coisa. Talvez ela não tenha procurado bem,
mas talvez tenha se dedicado muito às coisas erradas, por serem as únicas que
foram apresentadas.
Quanto ao moço
que acha que o meio não tem influência, mas nunca esteve em um meio árduo,
ainda deve se considerar altamente inteligente por chegar tão rapidamente a uma
conclusão simplória sobre outra pessoa, sem levar em conta o contexto, as
possibilidades de desenvolvimento ou qualquer outro fator que não fosse o
próprio preconceito.
No final, acho
que nos cabe lutar pela democratização de boas oportunidades, equiparação de
condições e valorização do esforço. Enquanto essa utopia não se concretiza, é
bom tomar cuidado com análises mal pensadas, ainda mais depois de ter tido
tantas oportunidades ao ponto de iludir-se quanto ao mérito de tudo o que se é
capaz.