02/11/2018

Ego virtual


A plateia criada pelas redes sociais mostrou o quanto muitas pessoas gostam de humilhar umas às outras. Na internet é raro o comentário, notícia, post ou blog que não conte com os famosos trolls ou pessoas que parecem sentir grande prazer não apenas em "vencer" uma discussão, mas em fazer com que seu opositor se sinta mal, seja exposto ao ridículo e humilhado publicamente. A máxima "não leia os comentários" acaba servindo de proteção a uma tendência que encontrou espaço livre pra se manifestar na rede: o sadismo, praticado até mesmo por aqueles que se concebem como o estandarte da moralidade na vida cotidiana.
Há desde trollagens “puras”, em que o autor quer apenas criar confusão por quaisquer meios que encontrar no momento, até o desvelar dos preconceitos mais reprimidos. Um exemplo é o machismo, que aparece quando uma mulher tenta colocar um argumento e recebe respostas como “é mal comida”, “volta pra cozinha”, “precisa dar” e outras cordialidades. Muitos homens não estão preparados para aceitar mulheres como debatedoras e tentam humilhá-las afirmando publicamente que o seu papel é privado, de fazer sexo com o homem e de servir ao homem, cuidando da casa ou das suas necessidades. No mínimo, as querem fora do debate, que estaria reservado aos seres pensantes que, na sua concepção, têm que ter um pênis. Outro exemplo é a homofobia. Insinuar que o amigo é gay, chamá-lo de bicha, veado ou qualquer outra piada com foco na orientação sexual é outro exemplo de problema comportamental que existe há muito tempo fora das redes e continua nela.
Se fosse apenas coisa de algumas pessoas com problema de autoafirmação seria simples, mas a verdade é que a tendência vai além. Machismo e homofobia são problemas por si sós, mas a vontade de humilhar e o prazer em fazer sofrer está espalhado também entre os mais politicamente corretos. O anonimato da rede esconde o quanto a pessoa que leu nossa ofensa ficou afetada – fazemos o ataque, não vemos o sangue. É fácil pintar um ser insensível em quem pensa diferente e ferir mais do que os preconceituosos mais escrachados.
Às vezes a tática é mais sutil, mais “sofisticada”: levar o outro à contradição; apontar seus erros; usar o argumento do outro contra ele próprio para “dar o troco”; caçar e ridicularizar erros de escrita; usar fatos da vida pessoal que estiverem à mão pra tentar montar um arcabouço de sofrimento. Quando não estamos vendo o outro sofrer podemos sempre imaginar um rabo e uns chifrinhos nele e assumir que a nossa estratégia de combate é legítima, afinal, estamos lutando contra o mal, não contra uma pessoa. Não há a evidência, por discussões virtuais, de que o outro sofre, de que também pode estar nessa busca desenfreada por aprovação social, de que também pode estar com essa agoniante necessidade de humilhar para sentir que tem um lugar no mundo.
Não há como negar o ego, mas há como refletir sobre como lidamos com ele, em situações virtuais ou reais, que quase se confundem.  Não dá, tampouco, pra conhecer pessoalmente cada pessoa com quem discutimos no mundo virtual. Mas dá pra se relembrar periodicamente que por trás de cada interação existe uma pessoa – que discorda, que não sabe tudo e que pode ser extremamente arrogante e desagradável, mas que muito provavelmente sofre e que poderia reagir melhor a quem tivesse um pouco de empatia pelo lado humano dela.

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