A plateia
criada pelas redes sociais mostrou o quanto muitas pessoas gostam de humilhar
umas às outras. Na internet é raro o comentário, notícia, post ou blog que não
conte com os famosos trolls ou
pessoas que parecem sentir grande prazer não apenas em "vencer" uma
discussão, mas em fazer com que seu opositor se sinta mal, seja exposto ao
ridículo e humilhado publicamente. A máxima "não leia os comentários"
acaba servindo de proteção a uma tendência que encontrou espaço livre pra se
manifestar na rede: o sadismo, praticado até mesmo por aqueles que se concebem
como o estandarte da moralidade na vida cotidiana.
Há desde trollagens “puras”, em que o autor quer
apenas criar confusão por quaisquer meios que encontrar no momento, até o
desvelar dos preconceitos mais reprimidos. Um exemplo é o machismo, que aparece
quando uma mulher tenta colocar um argumento e recebe respostas como “é mal
comida”, “volta pra cozinha”, “precisa dar” e outras cordialidades. Muitos
homens não estão preparados para aceitar mulheres como debatedoras e tentam humilhá-las
afirmando publicamente que o seu papel é privado, de fazer sexo com o homem e
de servir ao homem, cuidando da casa ou das suas necessidades. No mínimo, as
querem fora do debate, que estaria reservado aos seres pensantes que, na sua
concepção, têm que ter um pênis. Outro exemplo é a homofobia. Insinuar que o
amigo é gay, chamá-lo de bicha, veado ou qualquer outra piada com foco na orientação
sexual é outro exemplo de problema comportamental que existe há muito tempo
fora das redes e continua nela.
Se fosse
apenas coisa de algumas pessoas com problema de autoafirmação seria simples,
mas a verdade é que a tendência vai além. Machismo e homofobia são problemas
por si sós, mas a vontade de humilhar e o prazer em fazer sofrer está espalhado
também entre os mais politicamente corretos. O anonimato da rede esconde o
quanto a pessoa que leu nossa ofensa ficou afetada – fazemos o ataque, não
vemos o sangue. É fácil pintar um ser insensível em quem pensa diferente e
ferir mais do que os preconceituosos mais escrachados.
Às vezes a
tática é mais sutil, mais “sofisticada”: levar o outro à contradição; apontar
seus erros; usar o argumento do outro contra ele próprio para “dar o troco”;
caçar e ridicularizar erros de escrita; usar fatos da vida pessoal que
estiverem à mão pra tentar montar um arcabouço de sofrimento. Quando não
estamos vendo o outro sofrer podemos sempre imaginar um rabo e uns chifrinhos nele
e assumir que a nossa estratégia de combate é legítima, afinal, estamos lutando
contra o mal, não contra uma pessoa. Não há a evidência, por discussões
virtuais, de que o outro sofre, de que também pode estar nessa busca
desenfreada por aprovação social, de que também pode estar com essa agoniante
necessidade de humilhar para sentir que tem um lugar no mundo.
Não há como
negar o ego, mas há como refletir sobre como lidamos com ele, em situações
virtuais ou reais, que quase se confundem. Não dá, tampouco, pra conhecer pessoalmente
cada pessoa com quem discutimos no mundo virtual. Mas dá pra se relembrar
periodicamente que por trás de cada interação existe uma pessoa – que discorda,
que não sabe tudo e que pode ser extremamente arrogante e desagradável, mas que
muito provavelmente sofre e que poderia reagir melhor a quem tivesse um pouco
de empatia pelo lado humano dela.
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