Não sei se
devido à baixa qualidade de tantas instituições de ensino ou devido à preguiça
de se especializar, é cada vez mais frequente formadores de opinião e detentores
de poder apontarem e proporem saídas simplistas para problemas muito complexos.
Além de tentarem identificar desesperadamente causas simples para os problemas
(pobreza=crime; jogos de vídeo game=agressividade; falta de
religião=imoralidade) instituições importantes como a escola, o trabalho e as
cadeias têm sido usadas como instrumento prioritário de propostas amadoras.
A escola é
alvo de propostas intermináveis de adição de conteúdo na grade curricular. A
despeito da formação dos professores, da estrutura da sala de aula, dos métodos
de ensino ou avaliação, cada proponente acha que incluindo uma disciplina a
mais na grade estará promovendo uma educação de qualidade.
É obrigatório
incluir pessoas com deficiência em sala de aula; mas não necessariamente
instruir os professores a lidar com elas. É obrigatório o ensino da cultura
africana, mas pede-se isso de professores que não tiveram esse conteúdo durante
a própria formação e não têm estímulo para se preparar. É opcional o ensino
religioso; mas não só não há prevenção contra a opressão e o proselitismo, como
os próprios representantes do Estado brigam para que a sua visão religiosa
prevaleça sobre as demais.
Alguns dos
muitos exemplos de propostas que focam na inclusão de disciplinas em um sistema
que mal funciona com as disciplinas atuais:
- PLC
784-2015: Incluirá a disciplina de educação no trânsito no currículo
escolar da educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.
- PLC
623-2015: Incluirá no currículo escolar as disciplinas Educação Política,
Noções de direitos básicos, Educação ambiental e Primeiros socorros.
- PLC
7155-2014: Incluirá o tema “Educação Financeira” na disciplina Matemática.
- PLC –
15 / 2011: Incluirá a disciplina Educação Ambiental no ensino fundamental
e médio das escolas públicas e privadas.
- PLC –
7450 / 2010: Incluirá no currículo da educação básica a disciplina
“Leitura e Educação para as Mídias”, para oferecer aos estudantes a
possibilidade de análise crítica do que a mídia expõe, seja pelos canais
de TV e rádio ou por veículos impressos.
- PLC -
256 / 2011: Incluirá os Direitos Humanos no currículo da educação básica
com o objetivo de torná-los conhecidos pelos estudantes brasileiros.
- PLS –
254 / 2010: Incluirá no currículo de educação do ensino médio o destaque
para os direitos e garantias fundamentais inscritos na Constituição
Federal
- PLC 5960-2013:
Incluirá as disciplinas Organização Social e Política do Brasil, e
Educação Moral e Cívica no currículo escolar do ensino fundamental e
ensino médio.
- PLC –
424 / 2011: Incluirá no ensino fundamental e médio noções de educação
alimentar e nutricional.
A escola está
carente de soluções pedagógicas; de reformulação em sua orientação para a vida,
o mercado, a academia ou qualquer outra linha que decida trabalhar; está
carente de gente que formule propostas para problemas identificados em estudos
sérios; carente de coerência de quem as dirige, de preocupação de quem é
responsável por elas, de um direcionamento mais sábio do que o vestibular ou a
meta de passar o máximo de alunos possível sem critérios adequados. Ainda assim
o que se vê são apenas adições a uma grade curricular há muito questionável.
Empresas
também têm sido alvo dessa simplificação generalizada. A elas são atribuídas
obrigações com o intuito de promover mudanças sociais sem garantia nenhuma de
contrapartida governamental para que essas mudanças sejam impulsionadas. No
caso de empresas que prestam serviços para o poder público, são necessárias
tantas certidões, regularidades e documentos comprobatórios de critérios
instituídos progressivamente pelo poder público que, na prática, as licitações
ficam nas mãos de raras pessoas que se concentram mais em se adaptar ao esquema
da documentação do que na qualidade dos serviços prestados. Basta pesquisar
processos públicos de licitações e enumerar a quantidade de requisitos exigidos
para concorrer nelas. Não há como pensar em melhoria da qualidade dos produtos
e serviços públicos se forem cerceadas as possibilidades de bons profissionais
trabalharem para o governo, em nome da terceirização de “soluções” para
problemas fiscais, que na prática não solucionam nada, pois a maioria das
empresas continua não cumprindo os critérios estabelecidos e vendendo seus
produtos e serviços a outros que os comprem.
Empresas
privadas são obrigadas a cumprir a Lei de Cotas, mas os próprios agentes do
governo não sabem como funciona o BPC, a reabilitação ou a aprendizagem de
pessoas com deficiência – medidas que, em tese, incentivam as pessoas com
deficiência a procurarem emprego. Diante de críticas sobre a baixa contratação
registrada, invariavelmente é a empresa privada que é a grande culpada, com
seus preconceitos e sua falta de eficiência em cumprir a lei, quando as
próprias equipes governamentais não conseguem nem fazer a fiscalização ou ao
menos apresentar dados confiáveis sobre o assunto. Recomendo a qualquer um
tentar comparar os dados da RAIS com os do IBGE ou mesmo do Seade e tentar
tirar alguma conclusão a respeito da inclusão de pessoas com deficiência no
mercado de trabalho – isso depois de passar pelo processo de conseguir esses
dados, é claro.
As empresas devem registrar a nota fiscal com
o CPF do consumidor, e o consumidor deve conferir e denunciar quando a empresa não
o faz, para que cumpra sua obrigação. A secretaria de finanças (do estado de
São Paulo, pelo menos) não responde a denúncias do consumidor no prazo
necessário, sabe-se lá se fiscaliza as empresas que não registram o CPF e se
isenta de qualquer responsabilidade em fazer a sua parte.
O sistema
judiciário é outro exemplo gritante. Enquanto processos levam anos para serem
lidos, analisados e julgados, enquanto há pessoas que ficam presas por mais
tempo do que sua sentença condena e não há um plano de reintegração social
efetivo que previna crimes futuros quando a pessoa sai da prisão, nossos
representantes só sabem propor leis que coloquem mais gente na prisão. Alguns (entre
muitos) exemplos:
PLC 7776/2010 – Penalizará o ato de consumir
bebida alcoólica em local público, com prisão de dez dias a um mês ou pagamento
de multa.
PLS – 288/2011
- Aumentará a pena máxima do crime de pichação de 1 para 4 anos de prisão, e
tornará obrigatória a identificação dos compradores de tubos de pulverização de
tinta, para monitorar o uso responsável e legal deste produto.
PLS 347/2011 –
Proibirá a divulgação de pesquisas contratadas por candidatos e partidos
políticos, e punirá com prisão, de 6 meses a 1 ano, e multa de 500 mil a 1
milhão de reais aquele que divulgar pesquisas de opinião com fraude.
PLC 1573/2011
– Criará o crime de “Bullyin”, punindo com prisão de 1 a 4 anos, aquele que
ofender repetidamente a integridade moral ou física de outra pessoa, com o
objetivo de causar constrangimento público, estabelecendo pena de prestação de
serviços à comunidade ao adolescente que praticar este crime.
PLC 2701/2011
- Classificará como crime a atividade de flanelinha (guardador de carro) com
prisão de 4 anos.
PLC 1905/2011
- Fará com que o usuário de drogas seja internado obrigatoriamente pelo prazo
indicado no laudo médico, aplicando pena de prisão por até 30 dias do usuário
que se recusar a cumprir a determinação judicial.
PLS 350/2011 -
Punirá com prisão, de 1 a 6 meses, ou multa o bancário que causar prejuízos ou
transtornos ao cliente do banco como, por exemplo, cobrar por serviços não
solicitados ou deixar o cliente esperando por longo tempo.
O clamor pela
redução da maioridade penal diante de crimes cometidos por adolescentes entra
na mesma lógica. Basta colocar na prisão, o problema acaba. Vai ter mais crimes
de outros adolescentes porque ninguém tem capacidade de trabalhar sobre as causas?
Coloca os outros na prisão também. Vai ter gente mais nova cometendo crimes pra
tentar escapar da prisão? Diminui de novo e prende criança. Essa é a lógica dos
gênios da política brasileira. Acham que as soluções para os problemas sociais
são simples e se dispõem a se afundar em uma guerra eterna contra crimes cujas
causas não são a falta de prisões. Sua concepção de Estado ideal é aquela em
que todos que não fazem o que eles pensam estão presos. Se levarmos em conta a
quantidade e a rotatividade de pessoas que propõem isso todos os anos, troquemos
as cidades por grandes penitenciárias!
Não sei se
isso se restringe ao nosso país, mas é fato que por aqui existe uma ambição
enorme de muita gente que alcança o poder de fazer com que os outros trabalhem
e lavar as mãos com relação à própria responsabilidade de fazer a realidade
mudar. Mesmo em pequena escala, é comum ver pessoas que galgaram alguma posição
entenderem que ganharam o direito de fazer menos por isso, de mandar que outros
façam. O poder, que deveria significar a capacidade de fazer as coisas
acontecerem, ganha o sentido de um título que dá a quem o detém uma bela
desculpa pra não fazer nada e cobrar de quem está abaixo, ou pelo menos em
outro lugar, que o faça - de preferência sem reclamar, de preferência engolindo
toda a frustração de não ter poder em um sistema podre, sob o risco de ser
preso ou censurado.
Não tenho
resposta a todos os problemas sociais brasileiros, mas ao menos uma coisa eu
sei: escolas, empresas e cadeias não são caixinhas mágicas em que se colocam
ideias imaturas, misturam-se pessoas e saem futuros brilhantes.