28/09/2017

Quando o cara que se masturba em público faz isso na França

Notícia de hoje, relativa a uma estação de trem bem próxima de onde eu morava:
Mesmo problema, diferente forma de lidar: o cara baixava as calças e se masturbava diante de mulheres em estações de trem há cerca de dez anos. Passou por tratamento mental e foi liberado. Ficou um bom tempo sem fazer isso e recentemente começou de novo.
Não houve flagrante – o que é compreensível, pois as estações de trem mencionadas são bem vazias, quase nem tem funcionários, quanto menos polícia (a gente costumava dizer que morava na roça e eles concordam). Uma mulher identificou o cara fora de contexto, avisou a polícia, a polícia investigou com a vizinhança, localizou o cara, interrogou e prendeu. Ele vai ficar na prisão por 18 meses.
Uma coisa que tem me incomodado muito ultimamente é o tanto de gente que posta opiniões revoltadas no Facebook e acha que com isso faz alguma coisa de relevante. As pessoas que conheci na França mal usavam Facebook, quando usavam era pra questões mais interessantes, como dicas de estudos. Não tinha essa coisa da polêmica da semana, em que todo mundo tem que escrever alguma coisa pra se sentir militante.
Refletindo a respeito da notícia vista hoje, fica claro que a comparação que eu faço da reação do público é injusta. Demorou pro cara ser preso, ele fez isso com nove mulheres até ser pego, mas foi. A polícia foi atrás e, quando pegou, prendeu.
A justiça brasileira é extremamente ineficaz pra aplicar qualquer medida e isso gera muita frustração. Resultado: milhões de posts em redes sociais que não resultam em nada, mas desentalam as indignações constantes da goela de quem assiste as coisas acontecerem – pelo menos enquanto duram as curtidas dos amigos. 
É isso. Como boa brasileira, faço meu post, que não vai mudar nada, mas por algum motivo achei que tinha que publicar. 

26/09/2017

Sobre a "cura gay"

Com a aprovação de tratamento para a homessexualidade a psicologia acolhe em seu seio o espírito “não gosto, tem que proibir”. Nesse caso, “não gosto, tem que curar”. Temos milhões de adultos sem capacidade de lidar com a realidade, muitos deles com poder legislativo.
Depois dessa, nos preparemos para outras intrusões amadoras em profissões que deveriam carregar responsabilidade sobre saúde mental. Em um contexto em que práticas médicas são liberadas à opinião de grupos coletivamente doentes, ninguém vai precisar assumir responsabilidade por nada. O tratamento não funcionou? Ah, ela não teve fé o bastante, não foi a pílula de açúcar que eu dei em vez da quimioterapia. Ele está vendo espíritos que pedem que mate outras pessoas? Mas eu tenho que respeitar a visão metafísica dele! Se eu tentar suprimir isso com remédios eu estou ferindo a liberdade religiosa. A pessoa cometeu suicídio? Mas ela tem o direito de se achar indigna de viver, quem sou eu pra mudar isso?

A noção de liberdade em nossos dias é uma desculpa pra deixar que as pessoas se façam mal sem ajudar efetivamente. Foucault já previa. Antes, deixava-se viver e fazia-se morrer. Hoje, faz-se viver e deixa-se morrer – com o carimbo de profissões como a psicologia. 

19/09/2017

Certo e errado

Houve uma época em que eu pensava poder fazer tudo certo. O resultado mais claro é que eu reprimi o que eu achava errado em mim, porque não queria assumir que havia algo errado - e que sempre haverá, por mais que nos esforcemos em ser certos. Acontece que a repressão costuma se comportar como uma mola: quanto mais você oprime, mais violentamente ela tenta voltar ao seu estado original. O que eu sentia de moralmente condenável ganhou cores, complexidades, fez um labirinto dentro de mim que resultou em reações vis, respostas azedas e distribuição de julgamentos cruéis por uma pessoa que - vejam que coisa - só estava tentando fazer tudo certo.
Demorou, mas eu consegui me libertar de boa parte dos meus padrões de normalidade, frequentemente auto impostos. Cada vez que eu consegui assumir minhas partes “erradas” eu consegui lidar melhor com elas, entendê-las, trabalhá-las e, finalmente, não deixar que elas me deixassem agir de forma tão prejudicial quanto deixaram no passado.
Hoje muita gente me condena por dizer o que eu penso. Na verdade, me condenam por pensar o que eu quero e não ter vergonha disso. Me condenam por não seguir a sua moral, a sua religião, a sua posição política e outras normas que eu me forçava a seguir antes, com sérias consequências ao meu bem estar mental e, consequentemente, ao dos que me rodeavam.
Eu sei que se eu continuasse nessa política de boa menina que concorda com tudo o que pensam, eu infernizaria a vida de todos com amargura mal trabalhada. Ainda assim, muitos preferem direcionar sua amargura em julgamentos a quem eu sou hoje do que lidar com seus próprios demônios e parar de impor falsas normalidades.


12/09/2017

Terceirização de soluções




Não sei se devido à baixa qualidade de tantas instituições de ensino ou devido à preguiça de se especializar, é cada vez mais frequente formadores de opinião e detentores de poder apontarem e proporem saídas simplistas para problemas muito complexos. Além de tentarem identificar desesperadamente causas simples para os problemas (pobreza=crime; jogos de vídeo game=agressividade; falta de religião=imoralidade) instituições importantes como a escola, o trabalho e as cadeias têm sido usadas como instrumento prioritário de propostas amadoras.
A escola é alvo de propostas intermináveis de adição de conteúdo na grade curricular. A despeito da formação dos professores, da estrutura da sala de aula, dos métodos de ensino ou avaliação, cada proponente acha que incluindo uma disciplina a mais na grade estará promovendo uma educação de qualidade.
É obrigatório incluir pessoas com deficiência em sala de aula; mas não necessariamente instruir os professores a lidar com elas. É obrigatório o ensino da cultura africana, mas pede-se isso de professores que não tiveram esse conteúdo durante a própria formação e não têm estímulo para se preparar. É opcional o ensino religioso; mas não só não há prevenção contra a opressão e o proselitismo, como os próprios representantes do Estado brigam para que a sua visão religiosa prevaleça sobre as demais.
Alguns dos muitos exemplos de propostas que focam na inclusão de disciplinas em um sistema que mal funciona com as disciplinas atuais:
  • PLC 784-2015: Incluirá a disciplina de educação no trânsito no currículo escolar da educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.
  • PLC 623-2015: Incluirá no currículo escolar as disciplinas Educação Política, Noções de direitos básicos, Educação ambiental e Primeiros socorros.
  • PLC 7155-2014: Incluirá o tema “Educação Financeira” na disciplina Matemática.
  • PLC – 15 / 2011: Incluirá a disciplina Educação Ambiental no ensino fundamental e médio das escolas públicas e privadas.
  • PLC – 7450 / 2010: Incluirá no currículo da educação básica a disciplina “Leitura e Educação para as Mídias”, para oferecer aos estudantes a possibilidade de análise crítica do que a mídia expõe, seja pelos canais de TV e rádio ou por veículos impressos.
  • PLC - 256 / 2011: Incluirá os Direitos Humanos no currículo da educação básica com o objetivo de torná-los conhecidos pelos estudantes brasileiros.
  • PLS – 254 / 2010: Incluirá no currículo de educação do ensino médio o destaque para os direitos e garantias fundamentais inscritos na Constituição Federal
  • PLC 5960-2013: Incluirá as disciplinas Organização Social e Política do Brasil, e Educação Moral e Cívica no currículo escolar do ensino fundamental e ensino médio.
  • PLC – 424 / 2011: Incluirá no ensino fundamental e médio noções de educação alimentar e nutricional.
A escola está carente de soluções pedagógicas; de reformulação em sua orientação para a vida, o mercado, a academia ou qualquer outra linha que decida trabalhar; está carente de gente que formule propostas para problemas identificados em estudos sérios; carente de coerência de quem as dirige, de preocupação de quem é responsável por elas, de um direcionamento mais sábio do que o vestibular ou a meta de passar o máximo de alunos possível sem critérios adequados. Ainda assim o que se vê são apenas adições a uma grade curricular há muito questionável.
Empresas também têm sido alvo dessa simplificação generalizada. A elas são atribuídas obrigações com o intuito de promover mudanças sociais sem garantia nenhuma de contrapartida governamental para que essas mudanças sejam impulsionadas. No caso de empresas que prestam serviços para o poder público, são necessárias tantas certidões, regularidades e documentos comprobatórios de critérios instituídos progressivamente pelo poder público que, na prática, as licitações ficam nas mãos de raras pessoas que se concentram mais em se adaptar ao esquema da documentação do que na qualidade dos serviços prestados. Basta pesquisar processos públicos de licitações e enumerar a quantidade de requisitos exigidos para concorrer nelas. Não há como pensar em melhoria da qualidade dos produtos e serviços públicos se forem cerceadas as possibilidades de bons profissionais trabalharem para o governo, em nome da terceirização de “soluções” para problemas fiscais, que na prática não solucionam nada, pois a maioria das empresas continua não cumprindo os critérios estabelecidos e vendendo seus produtos e serviços a outros que os comprem.
Empresas privadas são obrigadas a cumprir a Lei de Cotas, mas os próprios agentes do governo não sabem como funciona o BPC, a reabilitação ou a aprendizagem de pessoas com deficiência – medidas que, em tese, incentivam as pessoas com deficiência a procurarem emprego. Diante de críticas sobre a baixa contratação registrada, invariavelmente é a empresa privada que é a grande culpada, com seus preconceitos e sua falta de eficiência em cumprir a lei, quando as próprias equipes governamentais não conseguem nem fazer a fiscalização ou ao menos apresentar dados confiáveis sobre o assunto. Recomendo a qualquer um tentar comparar os dados da RAIS com os do IBGE ou mesmo do Seade e tentar tirar alguma conclusão a respeito da inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho – isso depois de passar pelo processo de conseguir esses dados, é claro.
 As empresas devem registrar a nota fiscal com o CPF do consumidor, e o consumidor deve conferir e denunciar quando a empresa não o faz, para que cumpra sua obrigação. A secretaria de finanças (do estado de São Paulo, pelo menos) não responde a denúncias do consumidor no prazo necessário, sabe-se lá se fiscaliza as empresas que não registram o CPF e se isenta de qualquer responsabilidade em fazer a sua parte.[1]
O sistema judiciário é outro exemplo gritante. Enquanto processos levam anos para serem lidos, analisados e julgados, enquanto há pessoas que ficam presas por mais tempo do que sua sentença condena e não há um plano de reintegração social efetivo que previna crimes futuros quando a pessoa sai da prisão, nossos representantes só sabem propor leis que coloquem mais gente na prisão. Alguns (entre muitos) exemplos:
 PLC 7776/2010 – Penalizará o ato de consumir bebida alcoólica em local público, com prisão de dez dias a um mês ou pagamento de multa.
PLS – 288/2011 - Aumentará a pena máxima do crime de pichação de 1 para 4 anos de prisão, e tornará obrigatória a identificação dos compradores de tubos de pulverização de tinta, para monitorar o uso responsável e legal deste produto.
PLS 347/2011 – Proibirá a divulgação de pesquisas contratadas por candidatos e partidos políticos, e punirá com prisão, de 6 meses a 1 ano, e multa de 500 mil a 1 milhão de reais aquele que divulgar pesquisas de opinião com fraude.
PLC 1573/2011 – Criará o crime de “Bullyin”, punindo com prisão de 1 a 4 anos, aquele que ofender repetidamente a integridade moral ou física de outra pessoa, com o objetivo de causar constrangimento público, estabelecendo pena de prestação de serviços à comunidade ao adolescente que praticar este crime.
PLC 2701/2011 - Classificará como crime a atividade de flanelinha (guardador de carro) com prisão de 4 anos.
PLC 1905/2011 - Fará com que o usuário de drogas seja internado obrigatoriamente pelo prazo indicado no laudo médico, aplicando pena de prisão por até 30 dias do usuário que se recusar a cumprir a determinação judicial.
PLS 350/2011 - Punirá com prisão, de 1 a 6 meses, ou multa o bancário que causar prejuízos ou transtornos ao cliente do banco como, por exemplo, cobrar por serviços não solicitados ou deixar o cliente esperando por longo tempo.
O clamor pela redução da maioridade penal diante de crimes cometidos por adolescentes entra na mesma lógica. Basta colocar na prisão, o problema acaba. Vai ter mais crimes de outros adolescentes porque ninguém tem capacidade de trabalhar sobre as causas? Coloca os outros na prisão também. Vai ter gente mais nova cometendo crimes pra tentar escapar da prisão? Diminui de novo e prende criança. Essa é a lógica dos gênios da política brasileira. Acham que as soluções para os problemas sociais são simples e se dispõem a se afundar em uma guerra eterna contra crimes cujas causas não são a falta de prisões. Sua concepção de Estado ideal é aquela em que todos que não fazem o que eles pensam estão presos. Se levarmos em conta a quantidade e a rotatividade de pessoas que propõem isso todos os anos, troquemos as cidades por grandes penitenciárias!
Não sei se isso se restringe ao nosso país, mas é fato que por aqui existe uma ambição enorme de muita gente que alcança o poder de fazer com que os outros trabalhem e lavar as mãos com relação à própria responsabilidade de fazer a realidade mudar. Mesmo em pequena escala, é comum ver pessoas que galgaram alguma posição entenderem que ganharam o direito de fazer menos por isso, de mandar que outros façam. O poder, que deveria significar a capacidade de fazer as coisas acontecerem, ganha o sentido de um título que dá a quem o detém uma bela desculpa pra não fazer nada e cobrar de quem está abaixo, ou pelo menos em outro lugar, que o faça - de preferência sem reclamar, de preferência engolindo toda a frustração de não ter poder em um sistema podre, sob o risco de ser preso ou censurado.
Não tenho resposta a todos os problemas sociais brasileiros, mas ao menos uma coisa eu sei: escolas, empresas e cadeias não são caixinhas mágicas em que se colocam ideias imaturas, misturam-se pessoas e saem futuros brilhantes.


[1] Posso afirmá-lo porque eu mesma tive o trabalho de acompanhar, denunciar e ser jogada de um serviço a outro quando solicitei um retorno, com comprovações em forma de e-mails e formulários eletrônicos.

05/09/2017

Caridade ou justiça



Quando você realmente se importa com o sofrimento alheio mais do que com a sua própria imagem de alma bondosa, você não se contenta com a caridade pura e simples. Quando você quer que alguém tenha uma vida melhor, você acha pouco dar-lhe ajuda financeira uma vez ou outra; acha pouco dar-lhe um casaco quando está frio; quer entender por que a pessoa não consegue sair daquela situação; quer entender por que é tão fácil para algumas pessoas terem tudo na vida desde o nascimento e tão difícil para tantas outras conseguirem o básico durante a vida toda. 
Quando você se preocupa, você não vota em qualquer pessoa pelo discurso, você não fica em paz enquanto não estudar um pouco mais o sistema socioeconômico, você não acha bonito que uma pessoa ache um prato de comida ou um pouco de conforto coisa de outro mundo. 
A filantropia é o primeiro passo, não o fim em si. A filantropia é o primeiro ato de ajuda de quem, depois, vai tentar contribuir com um mundo melhor. Quem se contenta com ela é porque não está focado no bem de que o outro precisa, mas apenas no bem psicológico para si próprio com o ato da ajuda. 
Quem realmente se importa espera pelo dia em que a caridade não mais exista, por não ser mais necessária; pelo dia em que as pessoas são recompensadas por seus esforços e têm condições mínimas de vida garantidas. É claro que enquanto este dia não chega, a filantropia é necessária. No entanto, ela não é a solução para a injustiça social. Aliás, enquanto uma parte da população tiver condições de separar aquilo o que não lhe interessa para fazer caridade à outra parte, não existe justiça – existe distribuição de uma pequena parte do acúmulo.
As regras em que vivemos não são justas, e na ausência de um sistema político e econômico que respeite a dignidade humana, aqueles que separam uma parte do que lhes sobra para dividir com outros são um paliativo para o sofrimento. Mas não queira me convencer que um empresário que extrai lucro dos baixos salários de seus empregados, mas dá sopa aos pobres duas vezes por ano é santo. Não queira me convencer que uma pessoa que recebeu investimentos milionários dos pais para conseguir educar-se e empregar-se bem é mais merecedor do que quem não tinha o que comer na hora do recreio.
A caridade é linda em meio a um mundo de miséria, por isso eu torço para o dia em que não exista mais caridade no mundo.

04/09/2017

A escolha de lutar

Houve momentos em que lutei pelos meus direitos e ganhei muitos desafetos, especialmente entre aqueles que acham que direitos são conquistados por inércia. Nunca me arrependi dessas épocas.
Houve momentos em que me acovardei, com medo das consequências de pedir o que me era devido. Nunca consegui deixar de lamentar o mal que eu ajudei a perpetuar quando fiz isso.