O “povo
brasileiro” sempre foi uma categoria muito abstrata para que eu pudesse notar
seus traços diariamente. Sempre tinha que acessar teorias e, então, ler na
realidade sinais do que a teoria diz. Na prática, era identificação do que as
pessoas ao meu redor fazem com o que um ou outro autor identificou, mas ainda
tinha um bom nível de abstração.
Depois de
morar fora durante três anos, a percepção mudou. Já na primeira vez que
passamos férias no Brasil, alguns comportamentos gritavam – não estávamos mais habituados
a eles. É uma experiência realmente diferente quando você se acostuma com o
jeito de outro povo e volta a olhar para o seu. Não há livro que tenha tanta
força.
O que me
chamou a atenção nas férias foi o quão altos podemos ser em público – enquanto
os franceses procuram ser discretos nos metrôs, cafés e salas de espera,
brasileiros querem ser ouvidos por todos. Já no avião, às onze horas da noite,
tinha gente de pé batendo papo alto nos corredores. A pessoa sentada ao meu lado tentou, inúmeras
vezes, fazer com que nossa viagem fosse uma jornada de 13 horas de papo furado,
quando eu manifestamente queria dormir.
Até aí, quem
pode dizer o que é melhor ou pior? Cada povo tem seus hábitos, seus costumes,
seu comportamento coletivo. O que mais me pegou, no entanto, foi voltar o
Brasil. Voltar a morar aqui me forçou a lidar com esse comportamento coletivo
de forma que afeta a minha vida. Lembrei do que acontecia comigo antes de ir
para a França, que eu pensava ser “o mundo” e que lá eu descobri que é muito
mais “o Brasil”.
O que mais me
incomodou e ainda incomoda aqui é que quando queremos lutar por alguma
melhoria, estamos sós. A maioria dos brasileiros resmunga muito, mas faz pouco.
Quem tem interesse em reivindicar qualquer mudança tem que se investir em
procurar grupos organizados sobre aquele assunto e se dedicar, só ou com esses
grupos, a remar contra a maré para ver qualquer mudança a longo prazo. A maré
não luta, a maré publica indireta no Facebook e volta a não fazer nada. E isso
é um círculo vicioso, afinal, o fato de que a maioria das pessoas não vai fazer
nada serve de justificativa para qualquer um não fazer também.
Outra
diferença grande com relação à França: brasileiro não fala na cara. Fala de um
pro outro, reclama do amigo pra mãe, do marido pra amiga, dos políticos pra
internet, mas não encara ninguém frente a frente. É a militância escondida, a
autoafirmação no grupo que concorda, mas nunca o enfrentamento, nunca o pedido
oficial de resolução das coisas. Brasileiro gosta de falar sobre os problemas,
não de buscar soluções. E para alguém que quer buscá-las, isso pode ser mais
solitário do que agir em um país em que ninguém fala a sua língua.
Tem coisas
boas no Brasil? Certamente. Mas pra ser bem sincera, tenho que fazer muito
esforço para identificar tendências coletivas que me agradem aqui mais do que
as da França. No geral, ainda tento me convencer, especialmente quando se trata
de política, institucional ou cotidiana, de que não fiz o pior erro da minha
vida voltando.