22/04/2018

Mais do que eleitor, cidadão


Quem mais se importa com campanha eleitoral são os partidos políticos. Ainda assim, é muito comum ver pessoas analisando a política como se durante todo o mandato de um representante a eleição estivesse em jogo e cada um tivesse que defender uma bandeira eleitoral. Muitas pessoas que não são e não pretendem ser afiliadas a partido algum enxergam seus representantes como representantes de bandeiras, e não da gestão de sua cidade, estado ou país.
Uma das consequências mais sérias disso é que as ações desses representantes são vistas e aceitas como estratégias eleitorais, não como um serviço público. Se o representante em questão não pretende disputar nova eleição, sua atuação é imediatamente associada a outro candidato a quem esteja ligado, quando seu trabalho deveria ser analisado por competência, em prol do bem comum.
Crítica corriqueira à “massa de eleitores” é que, depois das eleições, ela esquece em quem votou. Ouso dizer que essa é a postura ideal – não por falta de atenção, mas intencionalmente. Façamos o esforço de deixar de lado quem escolhemos nas eleições para ver a pessoa eleita como representante de todos. Passado o processo eleitoral, é assim que cada político deve ser tratado: como representante e funcionário de todos, não apenas de quem lhe deu um voto.
O que se ganha ao abrir mão da responsabilidade de fiscalizar o governo só porque não foi você quem o colocou no poder? O que se ganha ao passar os quatro anos de um mandato agindo como se seu principal interesse fosse ganhar a próxima eleição, e não uma cidade digna de se viver? No caso contrário, quando o seu candidato é eleito, cabe a pergunta correspondente: o que você ganha defendendo o seu candidato acima de tudo, sem enxergar ou reclamar quando ele erra? O voto é secreto, ninguém é obrigado a dizer em quem votou, mas mesmo assim há muita gente que cultiva uma espécie de orgulho partidário a ser defendido, postura que compromete a luta por uma gestão decente.
Não é nosso papel fazer propaganda eleitoral, ainda mais depois de passadas as eleições. A política precisa ser entendida como um sistema de governo que serve para uma sociedade democrática se autogerir, mesmo tendo muita gente pra cuidar e decidir. Se antes era muito difícil se manifestar, por falta de meios tecnológicos, hoje temos acesso a telefone, e-mail e página na internet de nossos representantes. Quando não houver abertura, ainda dá pra se organizar, se manifestar na rua, acessar a mídia ou ouvidorias. De qualquer forma, em um contexto como o nosso, podemos participar. Quando a eleição passa, é o momento de fiscalizar, pegar no pé, reconhecer os bons serviços e admitir o que está errado, independente de você ter votado ou não naquele partido – ele é seu funcionário e deve ser cobrado e ajudado para trabalhar da melhor forma que puder.
É preciso parar de tratar partido como time de futebol e passar os quatro anos do mandato tentando ressaltar as virtudes do próprio e atacar os defeitos dos outros. Isso não leva a nada, além de uma concentração da vida política apenas em época eleitoral, como se fosse a Copa do Mundo, e não uma estratégia decisiva para o próprio transporte, a própria saúde e a própria qualidade de vida.
A meu ver, o grande interesse que circunda as pesquisas eleitorais mostra uma coisa muito clara: existe uma multidão interessada no jogo, mas que não quer assumir a responsabilidade pelas próprias escolhas, e prefere dividir a culpa de votar errado com “a massa”, ou atribuí-la “aos outros” ou, no limite, alegar impotência porque “é tudo igual”.
Essas mesmas pessoas são as que vão dividir a culpa de não reclamar, de não cobrar, de não participar e de não fazer nada pra que aquele candidato que ajudou a colocar no poder seja digno de seu voto – é o famoso “ninguém faz, não adiantaria se eu fizesse”. Talvez esses próprios eleitores não achem o próprio voto digno, no fim das contas, e só queiram uma boa estatística pra esconder a sua falta de interesse com relação à própria cidade.
Perto das eleições tem muita gente com um interesse fora do comum nas decisões políticas; muitas pessoas me perguntam quem eu gostaria que ganhasse.  A resposta que eu queria dar, como cidadã, não apenas eleitora-torcedora-de-time-político é: não importa. O que importa é o que vamos fazer depois que alguém ganhar.

10/04/2018

Insatisfação ativa


Muita gente me olhou torto quando eu criticava as coisas, alegando que eu era ingênua ou que esperava demais. Segui não satisfeita, mas sem nunca deixar que isso se transformasse em resmungos inertes. Sempre que estou insatisfeita com algo, tento mudar. Hoje olho pra trás e vejo que os que me criticavam continuam lá, aceitando o que eu não aceitei, engolindo o que eu não engoli, e eu percebi que é possível sim melhorar. Basta agir sobre a própria insatisfação - nem remoê-la, nem calá-la. A quem está satisfeito com tudo, ótimo. Só não esperem que todos pensem igual.

07/04/2018

Direito a futilidade


Cresci em uma família de classe média e estudei em uma grande universidade. Cursei Ciências Sociais, um curso que amei, que me fez ver muitas coisas que eu não via, mas que também vinha carregado dos seus próprios dogmas e preconceitos. Um deles é a futilidade. Tudo o que não continha um fundo politicamente crítico, socialmente responsável ou intelectualmente complexo acabava ganhando um status de segunda categoria, e quem fosse pego em uma atividade com esses aspectos também.
Isso acabou se estendendo para fora da faculdade, provavelmente porque acabamos identificando e sendo identificados por semelhantes em tudo o que fazemos. E com a graça de poder ter conversas muito interessantes com essas pessoas vieram também aqueles velhos preconceitos; com a possibilidade de fazer algo relevante para o mundo, também algumas normas sociais não ditas, mas muito sinalizadas e percebidas.
Porque aprendemos que o consumismo é uma ideologia imposta, já não podemos mais ter vontade de fazer compras. Porque temos contato com obras musicais com profundo significado histórico, é vergonhoso ouvir uma música considerada de massa. Porque temos o potencial de usar nosso tempo e conhecimento pra mudar a sociedade, virou pecado mortal dedicar-se a coisas fúteis, como jogar vídeo-game ou entrar em uma roda de fofoca.
Eu entendo perfeitamente que uma vida alienada, em que futilidade, consumismo e superficialidade são tudo o que se preza, é algo problemático. Eu sei que a grande maioria das pessoas tem nisso um mantra (aliás, por favor, não use esse texto pra justificar uma vida toda assim). Com que eu não concordo é essa repressão em nome da “boa conduta”. Se não for contracultura é ruim; se não usar latim é fraco; se tiver alguma ligação com o sistema-burguês-corrupto-manipulador não faz mais parte da turma.
Vejo um monte de pessoas livres (ao menos mais livres do que a grande maioria da população pra fazerem muita coisa) que criam as próprias amarras em nome do que muitas vezes não passa de uma pose. Aí eu me pergunto: o que é mais superficial: a pose de intelectual ou o gozo legítimo de um pagode com cerveja e amigos? Me pergunto quanta gente infeliz não consegue viver a própria vida plenamente por estar presa a esses padrões grupais, por ter que responder ao que a família, a religião ou o próprio grupo de amigos espera ou, muitas vezes, exige com base em chantagens emocionais.
Acredito que, como tudo na vida, o equilíbrio é o ponto ideal: saber até que ponto é importante atuar em prol de ideais e até que ponto é importante dar-se liberdade para gozar o que se quer gozar.  Uma vida toda em um desses extremos, para mim, é incompleta.

05/04/2018

Créditos


Não é porque você ajudou alguém que você tem direitos sobre o que essa pessoa conseguir - a não ser que seja algo muito bem definido, tipo contrato assinado, mas aí já não é ajuda, é serviço. 
Tem gente que acha que merece reconhecimento pelo fruto do trabalho alheio só porque em algum momento deu um palpite sobre o que estava acontecendo. Palpite um monte de gente dá, fazer é que é o desafio. Mesmo que o seu palpite tenha sido levando em conta no processo, ele certamente não representa metade do que é necessário para o sucesso. Aliás, provavelmente ele foi um palpite entre muitos. 
Agora, se você tem certeza de que só com a sua ideia foi possível construir tudo o que o outro construiu, a pergunta é outra: por que você não fez?