Às vezes as coisas começam a
dar errado uma atrás da outra e eu fico emocionalmente abalada, como se minha
vida estivesse uma bagunça. Eu sei que tem muita gente com problemas mais
graves que eu, mas saber disso não ajuda a sentir satisfação no fim de um dia
de tentativas frustradas. No fim das contas, cada um de nós tem sua gama de
problemas, mais ou menos graves, e tem que lidar com eles, independente do que
os outros possam estar passando em comparação.
Hoje, no entanto, teve uma
cena que me fez relativizar minhas sensações. Estávamos voltando da praia em um
ônibus lotado. No meio do ônibus começou uma confusão. Um senhor bêbado,
aparentemente morador de rua, estava se irritando com as pessoas ao redor
porque ele tinha ganhado um bolo, e com a lotação do ônibus, o bolo dele
poderia ser estragado.
Ficou evidente que aquele bolo
tinha um valor tamanho para aquele senhor que ele estava muito estressado pela
possibilidade de perdê-lo. Era um desses bolos de padaria, parecia de fubá com
passas ou algo parecido, redondo, dentro de uma embalagem plástica. Depois de
balbuciar algumas coisas que fizeram com que todo o ônibus se voltasse para
ele, ele decidiu sair. O motorista até ficou parado mais tempo no ponto para
esperar que ele conseguisse a proeza – como eu disse, estava lotado – de sair.
Ele passou se equilibrando da
bebedeira, em meio aos passageiros impacientes, olhando firmemente para o bolo,
que tinha que ser preservado. Finalmente ele saiu. E foi o passo para descer do
ônibus o passo de misericórdia: o bolo caiu, a embalagem se abriu e tudo se
espatifou pelo asfalto. Uma rápida olhada ao redor revelou que todos os
passageiros do ônibus estavam olhando para o bolo, e para o homem que não sabia
o que fazer diante dele. O motorista não saiu. Tudo parou diante daquela cena,
daquela esperança particular que acabava de ser frustrada em público, com
plateia. Todos permaneceram olhando sem dizer uma palavra enquanto o homem de
cerca de setenta anos (talvez menos, mas já castigado) andava de um lado para o
outro olhando para o bolo, e depois quando ele sentou na sarjeta e recolheu os
pedaços do chão, colocando tudo de volta na embalagem plástica.
Parecia que tinham piedade.
Quando, por algum motivo, o senhor fez menção de entrar no ônibus novamente, no
entanto, alguns protestaram e pediram para o motorista fechar a porta e sair.
Era como se a cena fosse comovente o suficiente para chamar os comerciais, não
para exigir mais envolvimento ainda. Era como se, de repente, o incômodo que
aquele senhor causasse fosse mais importante do que qualquer frustração que ele
tinha, e que ele tivesse que continuar vivendo a sua angústia sozinho.
Não sei quanto aos outros
passageiros, afinal, há muitos que como eu, nada disseram. Quanto a mim, levei
o senhor na minha cabeça até o fim do dia. Nada fiz, não sei o que poderia
fazer para melhorar o dia daquela pessoa que estava tentando salvar as coisas
mais simples sem conseguir, um tropeço atrás do outro, sabe-se lá há quanto
tempo. Hoje eu não consegui achar que os meus problemas são tão difíceis.