Uma
parte importante da crença é o apego à esperança de que algo sobrenatural
interfira na própria vida, mudando aquilo que não se consegue mudar por
esforço, inteligência ou sorte. É a ideia de que se a esperança for muito
grande, ela será concretizada. É o medo de que ao perdê-la, seja por desânimo
ou reflexão, a pessoa não seja mais uma das contempladas quando a mágica
finalmente acontecer. Especialmente quando o seu deus não tolera desistentes, o
questionamento tem um preço muito alto, fazendo com que a dúvida seja enterrada
junto com outros sentimentos ameaçadores de todas as promessas invisíveis.
Mexer
com a esperança de ser premiado nessa loteria sentimental é delicado. É como
pedir a um jogador veterano que não pague o próximo bilhete – provavelmente ele
ficará aterrorizado com a ideia de que seu número finalmente saia e ele perca o
prêmio bem quando desistiu. Se ele já tiver ganho alguns reais como prêmio de
consolação, então, estaremos mexendo com algo de cuja possibilidade ele
acredita ter evidências.
Pedir
para considerar o ponto de vista ateísta é pedir que um novo caminho de esforço
e incerteza seja traçado. É dizer que não adiantou nada ser bonzinho o ano
inteiro porque Papai Noel não existe e o seu pai não tem dinheiro pra comprar
presente. É reeducar o pensamento, mexendo com sentimentos dos mais atemorizantes.
Às
vezes, a própria existência de ateus é tida como ameaça, como uma possível causa
para a demora em receber o prêmio, como se enquanto todos não acreditassem na
mesma coisa, o mundo não tivesse os critérios para que a mágica acontecesse. Ademais,
ter alguém para culpar é um fator que alimenta a fé, que alimenta a crença de
que é possível, um dia, aquilo o que sempre esteve dentro da sua cabeça, e em
nome do qual você lutou até contra as maiores evidências, ser realidade. É o
famoso enredo de tantos livros e filmes: o mocinho é desacreditado, enfrenta
desafios, persiste e quando está quase perdendo, vira o jogo e derrota o
bandido.
Seria
bonito, se não fosse ficção e se essa ficção não prejudicasse milhões de
pessoas que apenas exercem o direito de não jogar na loteria.