28/01/2018

O limite da opressão

Oprime quem vomita opiniões para não deixar o outro falar.
Oprime quem não aceita outra opinião além das próprias verdades.
Oprime quem desqualifica por características pessoais.
Oprime quem usa linguagem verbal, não-verbal ou qualquer meio de que disponha pra que o outro não se expresse, não discorde, não se sinta à vontade para ser o que é.
No entanto, suprimem-se palavras, comportamentos ou ações. Não se suprimem pensamentos.

O pensamento continua a correr, vai e volta, olha para o fato, para o argumento e para o opressor. Cresce, vive, transforma-se e transforma o mundo, queira ou não queira quem oprime. 

21/01/2018

O castigo ao sexo

- Tira a mão daí menino!
- Tem que se dar o respeito!
- Você soube o que a fulana fez?
Um dos maiores tabus da humanidade: o sexo.
Por mais que o sexo consentido não prejudique ninguém, não mate ou não tire direitos, aprendemos desde pequenos que é uma coisa vergonhosa, a se evitar e, em muitas situações, punir.
Transou com muitas pessoas? Tomara que pegue uma DST. Engravidou e não queria? Bem feito, agora cuida – como se criar um ser humano fosse castigo, não responsabilidade.

O Brasil precisa dar muitos passos para ser uma sociedade humana. Um deles é valorizar quem pensa em políticas públicas mais do que em opções sexuais, que fala mais de economia do que faz piadas com mulheres, que tem mais seriedade do que julgamento sexual na cabeça. 

16/01/2018

São Paulo 2018

Durante três gestões de prefeitura eu usei o sistema de solicitação de serviços da internet pra várias coisas - transporte, lixo, iluminação, trânsito, pintura, etc. Apesar das diferenças de direcionamento político entre as gestões, essas questões de zeladoria costumavam funcionar. Recentemente resolvi solicitar uma inspeção da situação de circulação de pedestres em um ponto da cidade. Achei as perguntas que colocaram como uma espécie de filtro um tanto estranhas - o site mudou. É como se tentassem deslegitimar o pedido questionando coisas como "os pedestres podem ver os carros?" Sim, podem, mas eles vêm em alta velocidade e não param na faixa... Não tem espaço pra dizer isso. Estava com insônia aquele dia, mandei o pedido à 1h da manhã. Ao abrir minha caixa de e-mails na manhã seguinte, já tinha uma "resposta": a solicitação foi encerrada antes das 9h. Pela primeira vez em 17 anos sinto que nem a gestão básica da cidade tem participação popular. 

14/01/2018

Machismo cordial

Importante começar com o que entendo por feminismo, já que atualmente existe uma guerra pela verdade da definição que tende a tomar mais tempo do que a luta contra o machismo. Para mim, ser feminista não é colocar mulheres contra homens, é defender a igualdade de direito e consideração de ambos em todas as esferas. Para defender essa igualdade, é preciso combater o que faz com que as desigualdades se aprofundem. Considero que a igualdade de direitos entre homens e mulheres é o objeto da luta do feminismo, e que os machistas têm medo dessa igualdade, deixem isso claro ou não.
A maioria das manifestações que tentam diminuir mulheres são defesas de um privilégio sem o qual eles não sabem viver. Sem serem favorecidos, não se sentem fortes o bastante, então têm que manter o sistema injusto. Uso os termos feminista e machista para ambos os gêneros, pois considero que existem homens e mulheres que querem a igualdade e homens e mulheres que querem a manutenção da desigualdade. Espero de coração que discordâncias conceituais não sejam obstáculo para tentar entender ideias.
Isso esclarecido, gostaria de comentar uma característica bem brasileira do machismo, que se encontra também em outros preconceitos: a cordialidade. País de misturas, reconhecido pela sua riqueza cultural e aclamado pela tolerância, o Brasil é uma terra em que poucos se sentem à vontade dando vazão aos seus preconceitos explicitamente. Em geral, isso é feito de forma dissimulada, por meio de piadas que menosprezam o grupo alvo, ditados que reafirmam a desigualdade ou na forma de tratamento diferenciado.
Muito já foi falado sobre o racismo cordial, mas não tanto sobre outros preconceitos, como o machismo, o que acho compreensível a partir do momento em que o feminismo ainda luta para ser aceito sem tentativas explícitas ou disfarçadas de enfraquecimento da luta. Quando não atribuem a feministas uma “vontade de ser homem” ou de “inverter papéis”, dizem ser uma luta menor, que as feministas na verdade reclamam demais por algo que nem é tão importante, que existem vantagens mal compreendidas em um mundo machista, e que as mulheres deveriam reconhecer quão bom seria para elas mesmas serem discriminadas e restritas aos papéis de mulher submissa tradicional.
Proponho aqui a apreciação de alguns exemplos de postura, para aqueles que realmente prezam pela igualdade, que se consideram feministas e pensam que podem estar precisando de uma revisão dos próprios conceitos. Afinal, mesmo os mais conscientes cidadãos podem carregar preconceitos internalizados ao longo da vida, de forma inconsciente. Se essa pequena análise ajudar a combatê-los, o texto terá valido a pena.  
O machista cordial ri da piada do amigo, mas ri da amiga que faz a piada; tenta entender os problemas masculinos mais bobos, mas acha que os problemas femininos são todos bobos demais. O machista cordial se considera mais macho do que homem, e mesmo quando defende a inclusão da mulher na sociedade, é como se fosse caridade e não direito.
O machista cordial não concebe que uma mulher converse com ele sem interesse sexual. Chega a pensar que mesmo as mais sérias mensagens são, na verdade, uma forma de fazer-se admirar, que a mulher que argumenta está apenas querendo atenção. Ao machista cordial incomoda a imagem de um futuro em que mulheres têm poder, ou que homens “se rebaixem” a fazer o que as mulheres tradicionalmente tiveram como papel, como serviços domésticos ou mesmo ceder a vontades do(a) parceiro(a).
Ele acha que homem pode andar rasgado, mas que mulher que se preze tem que cuidar da aparência. Se uma mulher se mostrar forte ou poderosa, isso o incomodará e ele não resistirá a piadas sobre seu aspecto ou personalidade “masculinas”. A força, para ele, precisa sempre ser associada à masculinidade. Quando mulheres se mostram fortes, ele pensa que escolheram ser associadas ao que é o mundo dos homens.
Quem é feminista, por outro lado, dá o mesmo peso que se dá ao argumento de uma mulher ou de um homem; reconhece que uma mulher pode ter motivos para estar nervosa, que não é sempre culpa da TPM; é capaz de entender o conteúdo de um discurso inteligente de uma mulher como um discurso com interesses profissionais ou acadêmicos, não necessariamente como um pedido para ser cortejada. Tanto o feminista como o machista podem gostar de mulheres. O machista gosta delas como objeto sexual, o feminista pode até ter atração por elas, mas também consegue vê-las como seres pensantes.
Assim como no caso do machismo explícito, também existem mulheres que se entregam ao machismo cordial, perpetuando concepções ultrapassadas de seu próprio gênero e enfraquecendo a luta pela igualdade. Não digo com isso que uma mulher não possa querer ser bajulada, que não deva ser delicada ou vaidosa. Mas isso são escolhas que homens e mulheres devem ter, são personalidades individuais e não obrigações sociais coletivas.

Tenho certeza de que o apontamento dessas diferenças em si vai incomodar muita gente, mesmo eu não apontando o dedo diretamente a ninguém. Não é nada fácil quando alguém enxerga nossos preconceitos velados. Àqueles que, no entanto, discordarem da minha opinião, mas opuserem argumentos racionais, impessoais e bem explicados, respeito. Seja homem, mulher ou qualquer outra identidade de gênero que lhe caiba. Pois acredito que direitos todos temos que ter, apesar de diferenças intrínsecas ou inculcadas, e principalmente apesar do preconceito que desvia a razão de homens e mulheres com muito potencial de desenvolvimento coletivo. 

07/01/2018

Careta, mas feliz

Nunca fui muito carismática ou popular. Na infância sempre tinha uma ou outra amiguinha que conversava comigo, mas também tive minhas fases de ficar só. Já nessa época, eu me sentia meio alienígena, mas as coisas pioraram, como é clássico, na adolescência. Eu achava que tinha problemas, que era toda errada e mesmo que as pessoas tinham razão de não gostar de mim - se é que não gostavam mesmo ou se era eu quem as afastava. 
Eu tinha certeza de que eu não era alguém para se gostar, afinal eu não fumava, não bebia, não gostava de balada, não tinha tatuagem e namorava sério há uns mil anos tendo apenas dezesseis. Era uma chata com C maiúsculo. Amargurei, reagi e fiz muita besteira até uma coisa linda acontecer: cresci.
Depois daquela fase porre de achar que é preciso agradar todo mundo, percebi que o problema era meu se eu queria ser assim. E mais: que mesmo sendo chata desse jeito, ainda tinha gente que gostava de mim. Não muita - popular é uma coisa que nunca fui mesmo. Mas uma coisa mudou: eu não quero ser. Eu não ligo se não sou descolada; se não provoco admiração de quem quer posar de contracultura, mas sempre cria mini regras de comportamento no seu convívio. Eu não ligo de não ser o que as pessoas acham que toda pessoa como eu deveria ser. Eu não ligo se não tenho “história pra contar” porque nunca fiquei de porre (apesar de ter escrito quatro livros) ou se uma das coisas que mais gosto de fazer é organizar minhas coisas. Eu não ligo.

E por que escrevo isso? Simples: fiquei impressionada ao perceber que alguns adultos, que em tese deveriam ter abandonado essa coisa de serem aceitos pelo bando, passam boa parte do tempo analisando se fulano é legal, se ciclano tem um estilo de vida aceitável ou se o comportamento de beltrano é o que se espera de alguém como ele/a. Eu sou careta, mas sou feliz. Me pergunto se será feliz quem não consegue se livrar da preocupação com o que é aceito socialmente.