Importante começar com o que entendo por feminismo, já que atualmente
existe uma guerra pela verdade da definição que tende a tomar mais tempo do que
a luta contra o machismo. Para mim, ser feminista não é colocar mulheres contra
homens, é defender a igualdade de direito e consideração de ambos em todas as
esferas. Para defender essa igualdade, é preciso combater o que faz com que as
desigualdades se aprofundem. Considero que a igualdade de direitos entre homens
e mulheres é o objeto da luta do feminismo, e que os machistas têm medo dessa
igualdade, deixem isso claro ou não.
A maioria das manifestações que tentam diminuir mulheres são defesas de
um privilégio sem o qual eles não sabem viver. Sem serem favorecidos, não se
sentem fortes o bastante, então têm que manter o sistema injusto. Uso os termos
feminista e machista para ambos os gêneros, pois considero que existem homens e
mulheres que querem a igualdade e homens e mulheres que querem a manutenção da
desigualdade. Espero de coração que discordâncias conceituais não sejam
obstáculo para tentar entender ideias.
Isso esclarecido, gostaria de comentar uma característica bem brasileira
do machismo, que se encontra também em outros preconceitos: a cordialidade.
País de misturas, reconhecido pela sua riqueza cultural e aclamado pela
tolerância, o Brasil é uma terra em que poucos se sentem à vontade dando vazão
aos seus preconceitos explicitamente. Em geral, isso é feito de forma
dissimulada, por meio de piadas que menosprezam o grupo alvo, ditados que
reafirmam a desigualdade ou na forma de tratamento diferenciado.
Muito já foi falado sobre o racismo cordial, mas não tanto sobre outros
preconceitos, como o machismo, o que acho compreensível a partir do momento em
que o feminismo ainda luta para ser aceito sem tentativas explícitas ou
disfarçadas de enfraquecimento da luta. Quando não atribuem a feministas uma
“vontade de ser homem” ou de “inverter papéis”, dizem ser uma luta menor, que
as feministas na verdade reclamam demais por algo que nem é tão importante, que
existem vantagens mal compreendidas em um mundo machista, e que as mulheres
deveriam reconhecer quão bom seria para elas mesmas serem discriminadas e
restritas aos papéis de mulher submissa tradicional.
Proponho aqui a apreciação de alguns exemplos de postura, para aqueles
que realmente prezam pela igualdade, que se consideram feministas e pensam que
podem estar precisando de uma revisão dos próprios conceitos. Afinal, mesmo os
mais conscientes cidadãos podem carregar preconceitos internalizados ao longo
da vida, de forma inconsciente. Se essa pequena análise ajudar a combatê-los, o
texto terá valido a pena.
O machista cordial ri da piada do amigo, mas ri da amiga que faz a piada;
tenta entender os problemas masculinos mais bobos, mas acha que os problemas
femininos são todos bobos demais. O machista cordial se considera mais macho do
que homem, e mesmo quando defende a inclusão da mulher na sociedade, é como se
fosse caridade e não direito.
O machista cordial não concebe que uma mulher converse com ele sem
interesse sexual. Chega a pensar que mesmo as mais sérias mensagens são, na
verdade, uma forma de fazer-se admirar, que a mulher que argumenta está apenas
querendo atenção. Ao machista cordial incomoda a imagem de um futuro em que mulheres
têm poder, ou que homens “se rebaixem” a fazer o que as mulheres tradicionalmente
tiveram como papel, como serviços domésticos ou mesmo ceder a vontades do(a)
parceiro(a).
Ele acha que homem pode andar rasgado, mas que mulher que se preze tem
que cuidar da aparência. Se uma mulher se mostrar forte ou poderosa, isso o
incomodará e ele não resistirá a piadas sobre seu aspecto ou personalidade “masculinas”.
A força, para ele, precisa sempre ser associada à masculinidade. Quando
mulheres se mostram fortes, ele pensa que escolheram ser associadas ao que é o
mundo dos homens.
Quem é feminista, por outro lado, dá o mesmo peso que se dá ao argumento
de uma mulher ou de um homem; reconhece que uma mulher pode ter motivos para
estar nervosa, que não é sempre culpa da TPM; é capaz de entender o conteúdo de
um discurso inteligente de uma mulher como um discurso com interesses
profissionais ou acadêmicos, não necessariamente como um pedido para ser
cortejada. Tanto o feminista como o machista podem gostar de mulheres. O
machista gosta delas como objeto sexual, o feminista pode até ter atração por
elas, mas também consegue vê-las como seres pensantes.
Assim como no caso do machismo explícito, também existem mulheres que se
entregam ao machismo cordial, perpetuando concepções ultrapassadas de seu
próprio gênero e enfraquecendo a luta pela igualdade. Não digo com isso que uma
mulher não possa querer ser bajulada, que não deva ser delicada ou vaidosa. Mas
isso são escolhas que homens e mulheres devem ter, são personalidades individuais
e não obrigações sociais coletivas.
Tenho certeza de que o apontamento dessas diferenças em si vai incomodar
muita gente, mesmo eu não apontando o dedo diretamente a ninguém. Não é nada
fácil quando alguém enxerga nossos preconceitos velados. Àqueles que, no
entanto, discordarem da minha opinião, mas opuserem argumentos racionais,
impessoais e bem explicados, respeito. Seja homem, mulher ou qualquer outra
identidade de gênero que lhe caiba. Pois acredito que direitos todos temos que
ter, apesar de diferenças intrínsecas ou inculcadas, e principalmente apesar do
preconceito que desvia a razão de homens e mulheres com muito potencial de
desenvolvimento coletivo.