03/09/2011

O lobo voador



Em uma cidade do interior havia um povo que acreditava em um lobo voador. Passava de geração a geração a história de que o lobo havia sido visto voando durante a noite por entre os galinheiros para escolher presas para o seu jantar.
Recentemente os galinheiros eram mais protegidos e não permitiriam tais assaltos noturnos, no entanto, por respeito aos mais velhos e confiança no que diziam, os cidadãos ainda tomavam precauções contra o lobo voador.
Entre essas precauções estavam alguns pequenos hábitos e regras de comportamento, como não passear sozinho à noite, não deixar comida perto dos galinheiros e nem promover caças a lobos.
Conforme os anos passaram, pessoas escreveram sobre as exigências do lobo voador, com base no que seus antepassados disseram, para que as próximas gerações tivessem cuidado com o que fizessem. Quem contrariasse as recomendações e conseguisse manter suas galinhas ilesas teria que compensar a atitude com uma outra série de regras, sob o risco de que o lobo não mais fizesse concessões.
E assim passaram décadas e mais de centenas de anos de uma sociedade construída sobre o medo, mesmo que ninguém mais tivesse conhecimento do lobo voador. Qualquer um que questionasse a sua existência, no entanto, era identificado como ameaça à ordem da sociedade, já que punha em risco tudo o que havia sido construído até então: pessoas dentro de casa depois das nove da noite, horário de refeições para as galinhas e uma bela manada de lobos selvagens nos arredores, protegendo a cidade de - quem sabe - animais mais perigosos.
Um líder local dispôs-se a dedicar a própria vida em função da proteção contra o lobo voador, e criou um imposto para garantir a sua sobrevivência e a de demais protetores da cidade. Convencionou-se, a partir de congressos realizados com esses impostos, que não era tão essencial, mais, a existência real do lobo. O que importava era que as pessoas o tivessem em mente, para nunca saírem de casa depois das oito e que aqueles que alimentassem suas galinhas à noite teriam que pagar impostos extras, para que os protetores pudessem empenhar-se mais nas precauções.
Com o tempo, cada cidadão tinha uma cópia das regras de proteção em casa. É verdade que era raro que as lessem, afinal, os protetores se dispunham a lembrá-las com bastante frequência, a fazer teatros, shows e qualquer artifício de entretenimento para mantê-las na cabeça das pessoas (assegurada, é claro, por um adicional nos impostos).
Também estavam disponíveis mensagens novas e adornos para a casa e para o corpo com os dizeres "lembremo-nos do lobo voador" e "honremos o lobo voador".
No entanto, com o avanço da ciência, estudiosos locais identificaram algo diferente: um fenômeno noturno provocado pelas sombras das árvores e pelo reflexo de uma lagoa distante davam a quem se encontrava perto dos antigos galinheiros, a clara imagem de um lobo voador aterrorizante. Tudo o que havia sido construído e que acreditava-se constituir o caráter dos moradores mostrou-se reflexo da pura falta de conhecimento.
Nesse momento, entretanto, ninguém mais tolevara quem não acreditasse no lobo voador. Alguns encararam a notícia como conspiração. Outros como a confirmação de que o lobo os sondava (um sinal). Outros se uniram aos autodeclarados protetores para ensinar o povo que a nobreza do lobo voador não pode ser alcançada por meros estudiosos; que uma coisa não interfere na outra; que o lobo voador está além da nossa capacidade de compreensão científica.
Ainda existem descrentes. Mas a maioria da população tem medo.