07/04/2018

Direito a futilidade


Cresci em uma família de classe média e estudei em uma grande universidade. Cursei Ciências Sociais, um curso que amei, que me fez ver muitas coisas que eu não via, mas que também vinha carregado dos seus próprios dogmas e preconceitos. Um deles é a futilidade. Tudo o que não continha um fundo politicamente crítico, socialmente responsável ou intelectualmente complexo acabava ganhando um status de segunda categoria, e quem fosse pego em uma atividade com esses aspectos também.
Isso acabou se estendendo para fora da faculdade, provavelmente porque acabamos identificando e sendo identificados por semelhantes em tudo o que fazemos. E com a graça de poder ter conversas muito interessantes com essas pessoas vieram também aqueles velhos preconceitos; com a possibilidade de fazer algo relevante para o mundo, também algumas normas sociais não ditas, mas muito sinalizadas e percebidas.
Porque aprendemos que o consumismo é uma ideologia imposta, já não podemos mais ter vontade de fazer compras. Porque temos contato com obras musicais com profundo significado histórico, é vergonhoso ouvir uma música considerada de massa. Porque temos o potencial de usar nosso tempo e conhecimento pra mudar a sociedade, virou pecado mortal dedicar-se a coisas fúteis, como jogar vídeo-game ou entrar em uma roda de fofoca.
Eu entendo perfeitamente que uma vida alienada, em que futilidade, consumismo e superficialidade são tudo o que se preza, é algo problemático. Eu sei que a grande maioria das pessoas tem nisso um mantra (aliás, por favor, não use esse texto pra justificar uma vida toda assim). Com que eu não concordo é essa repressão em nome da “boa conduta”. Se não for contracultura é ruim; se não usar latim é fraco; se tiver alguma ligação com o sistema-burguês-corrupto-manipulador não faz mais parte da turma.
Vejo um monte de pessoas livres (ao menos mais livres do que a grande maioria da população pra fazerem muita coisa) que criam as próprias amarras em nome do que muitas vezes não passa de uma pose. Aí eu me pergunto: o que é mais superficial: a pose de intelectual ou o gozo legítimo de um pagode com cerveja e amigos? Me pergunto quanta gente infeliz não consegue viver a própria vida plenamente por estar presa a esses padrões grupais, por ter que responder ao que a família, a religião ou o próprio grupo de amigos espera ou, muitas vezes, exige com base em chantagens emocionais.
Acredito que, como tudo na vida, o equilíbrio é o ponto ideal: saber até que ponto é importante atuar em prol de ideais e até que ponto é importante dar-se liberdade para gozar o que se quer gozar.  Uma vida toda em um desses extremos, para mim, é incompleta.

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