05/09/2017

Caridade ou justiça



Quando você realmente se importa com o sofrimento alheio mais do que com a sua própria imagem de alma bondosa, você não se contenta com a caridade pura e simples. Quando você quer que alguém tenha uma vida melhor, você acha pouco dar-lhe ajuda financeira uma vez ou outra; acha pouco dar-lhe um casaco quando está frio; quer entender por que a pessoa não consegue sair daquela situação; quer entender por que é tão fácil para algumas pessoas terem tudo na vida desde o nascimento e tão difícil para tantas outras conseguirem o básico durante a vida toda. 
Quando você se preocupa, você não vota em qualquer pessoa pelo discurso, você não fica em paz enquanto não estudar um pouco mais o sistema socioeconômico, você não acha bonito que uma pessoa ache um prato de comida ou um pouco de conforto coisa de outro mundo. 
A filantropia é o primeiro passo, não o fim em si. A filantropia é o primeiro ato de ajuda de quem, depois, vai tentar contribuir com um mundo melhor. Quem se contenta com ela é porque não está focado no bem de que o outro precisa, mas apenas no bem psicológico para si próprio com o ato da ajuda. 
Quem realmente se importa espera pelo dia em que a caridade não mais exista, por não ser mais necessária; pelo dia em que as pessoas são recompensadas por seus esforços e têm condições mínimas de vida garantidas. É claro que enquanto este dia não chega, a filantropia é necessária. No entanto, ela não é a solução para a injustiça social. Aliás, enquanto uma parte da população tiver condições de separar aquilo o que não lhe interessa para fazer caridade à outra parte, não existe justiça – existe distribuição de uma pequena parte do acúmulo.
As regras em que vivemos não são justas, e na ausência de um sistema político e econômico que respeite a dignidade humana, aqueles que separam uma parte do que lhes sobra para dividir com outros são um paliativo para o sofrimento. Mas não queira me convencer que um empresário que extrai lucro dos baixos salários de seus empregados, mas dá sopa aos pobres duas vezes por ano é santo. Não queira me convencer que uma pessoa que recebeu investimentos milionários dos pais para conseguir educar-se e empregar-se bem é mais merecedor do que quem não tinha o que comer na hora do recreio.
A caridade é linda em meio a um mundo de miséria, por isso eu torço para o dia em que não exista mais caridade no mundo.

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