Quando você realmente se importa com
o sofrimento alheio mais do que com a sua própria imagem de alma bondosa, você
não se contenta com a caridade pura e simples. Quando você quer que alguém
tenha uma vida melhor, você acha pouco dar-lhe ajuda financeira uma vez ou
outra; acha pouco dar-lhe um casaco quando está frio; quer entender por que a
pessoa não consegue sair daquela situação; quer entender por que é tão fácil
para algumas pessoas terem tudo na vida desde o nascimento e tão difícil para
tantas outras conseguirem o básico durante a vida toda.
Quando você se preocupa, você não
vota em qualquer pessoa pelo discurso, você não fica em paz enquanto não
estudar um pouco mais o sistema socioeconômico, você não acha bonito que uma
pessoa ache um prato de comida ou um pouco de conforto coisa de outro
mundo.
A filantropia é o primeiro passo, não
o fim em si. A filantropia é o primeiro ato de ajuda de quem, depois, vai
tentar contribuir com um mundo melhor. Quem se contenta com ela é porque não
está focado no bem de que o outro precisa, mas apenas no bem psicológico para
si próprio com o ato da ajuda.
Quem realmente
se importa espera pelo dia em que a caridade não mais exista, por não ser mais
necessária; pelo dia em que as pessoas são recompensadas por seus esforços e
têm condições mínimas de vida garantidas. É claro que enquanto este dia não
chega, a filantropia é necessária. No entanto, ela não é a solução para a
injustiça social. Aliás, enquanto uma parte da população tiver condições de
separar aquilo o que não lhe interessa para fazer caridade à outra parte, não
existe justiça – existe distribuição de uma pequena parte do acúmulo.
As
regras em que vivemos não são justas, e na ausência de um sistema político e
econômico que respeite a dignidade humana, aqueles que separam uma parte do que
lhes sobra para dividir com outros são um paliativo para o sofrimento. Mas não
queira me convencer que um empresário que extrai lucro dos baixos salários de
seus empregados, mas dá sopa aos pobres duas vezes por ano é santo. Não queira
me convencer que uma pessoa que recebeu investimentos milionários dos pais para
conseguir educar-se e empregar-se bem é mais merecedor do que quem não tinha o
que comer na hora do recreio.
A
caridade é linda em meio a um mundo de miséria, por isso eu torço para o dia em
que não exista mais caridade no mundo.
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