19/11/2017

Gentileza

É famosa a frase "gentileza gera gentileza", que muito já me fez pensar. Em um primeiro momento, a frase soou como o prenúncio de uma espécie de corrente do bem, mas a sensação durou pouco. Foi só observar com mais atenção as minhas próprias atitudes e as das pessoas ao meu redor que ficou claro que a gentileza está entre as últimas qualidades recompensadas, bem depois da esperteza, da sorte e do poder.
Dei-me conta de que quando eu era nova e meus pais se responsabilizavam pelas conquistas do que eu tinha, essa lógica parecia simples: fazer o bem e esperar boas respostas a isso – o segredo. Só que conforme fui crescendo, vivendo e tendo que lutar por posição, os dias revelaram jogos que vão muito além de receber de volta os estímulos que eu emanei; e a reflexão do fim de alguns desses dias, junto à imagem da frase de porta de geladeira me fez perceber uma coisa: a gentileza é, muitas vezes, tomada por fraqueza, e essa fraqueza vira brecha para abuso.
Em vez dessa sonhada corrente do bem, quantas vezes vi a gentileza morrer ali ao lado, como atitude de uma pessoa boba que acabou ficando com todo o trabalho para si por não se posicionar além da generosidade com o outro e nunca recebeu resposta semelhante. Quantas vezes o atendente de loja teve que ir para casa com uma porção de sapos na garganta enfiados por clientes sedentos por humilhar quem não tem condições financeiras de dar a resposta que eles merecem. A compra da tal “gentileza”. O direito ao abuso do outro concedido pela posição de cliente. Podem achar a frase simpática, mas vivem segundo outra relação: dinheiro gera subserviência, poder gera sorrisos, por mais amarelos que sejam. Gentileza? Com quem interessa.
Notei também que muitos usam a frase não para disseminar boas práticas, mas para justificar más reações, como se dissessem "se você tivesse agido como eu esperava, eu teria te tratado bem, mas não foi assim. Se gentileza gera gentileza, decepção gera decepção." Uma frase para o outro, não para si. Para que o outro aja com base no medo da sua reação; para que o outro seja gentil com você e tenha alguma esperança de que você retribua a gentileza – o que não é de forma alguma garantido.
Uma frase de três palavras, em que duas são uma palavra tão leve como "gentileza", pode muito bem ser instrumento de uma postura reativa, preguiçosa de dar o primeiro passo, que se encosta nas atitudes alheias para justificar as próprias grosserias. Justificativas como essa, que colocam sempre a culpa nos outros, são ótimas muletas para que não se reaja quando é necessária atitude. Normalmente estão na boca de pessoas que querem sempre que algum "outro" resolva o problema; que quando têm a oportunidade de agir, dizem algo como "se nunca fizeram por mim, por que sou eu quem vai fazer?" E nesse mundo de falso moralismo, em que o outro é sempre mais responsável do que eu, vamos seguindo como uma multidão de insatisfeitos, revoltosos e incompetentes, esperando que a primeira gentileza seja feita pelo outro para que, talvez, eu responda.

Como tratar a gentileza com o respeito que merece o termo? Como diferenciá-la da ingenuidade em um mundo que tem dificuldade de enxergá-la? A postura gentil precisa ser acompanhada da consciência do que se está a defender, ou será solapada por quem a toma por tolice. Gentileza nem sempre gera gentileza, não no mundo em que vivemos. E para chegar a esse mundo, são necessárias atitudes muito mais enfáticas, muito mais proativas e muito menos medrosas de ferir sentimentos.

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