É famosa a
frase "gentileza gera gentileza", que muito já me fez pensar. Em um
primeiro momento, a frase soou como o prenúncio de uma espécie de corrente do
bem, mas a sensação durou pouco. Foi só observar com mais atenção as minhas
próprias atitudes e as das pessoas ao meu redor que ficou claro que a gentileza
está entre as últimas qualidades recompensadas, bem depois da esperteza, da
sorte e do poder.
Dei-me conta de
que quando eu era nova e meus pais se responsabilizavam pelas conquistas do que
eu tinha, essa lógica parecia simples: fazer o bem e esperar boas respostas a
isso – o segredo. Só que conforme fui crescendo, vivendo e tendo que lutar por
posição, os dias revelaram jogos que vão muito além de receber de volta os
estímulos que eu emanei; e a reflexão do fim de alguns desses dias, junto à
imagem da frase de porta de geladeira me fez perceber uma coisa: a gentileza é,
muitas vezes, tomada por fraqueza, e essa fraqueza vira brecha para abuso.
Em vez dessa
sonhada corrente do bem, quantas vezes vi a gentileza morrer ali ao lado, como
atitude de uma pessoa boba que acabou ficando com todo o trabalho para si por
não se posicionar além da generosidade com o outro e nunca recebeu resposta
semelhante. Quantas vezes o atendente de loja teve que ir para casa com uma
porção de sapos na garganta enfiados por clientes sedentos por humilhar quem
não tem condições financeiras de dar a resposta que eles merecem. A compra da
tal “gentileza”. O direito ao abuso do outro concedido pela posição de cliente.
Podem achar a frase simpática, mas vivem segundo outra relação: dinheiro gera
subserviência, poder gera sorrisos, por mais amarelos que sejam. Gentileza? Com
quem interessa.
Notei também
que muitos usam a frase não para disseminar boas práticas, mas para justificar
más reações, como se dissessem "se você tivesse agido como eu esperava, eu
teria te tratado bem, mas não foi assim. Se gentileza gera gentileza, decepção gera
decepção." Uma frase para o outro, não para si. Para que o outro aja com
base no medo da sua reação; para que o outro seja gentil com você e tenha
alguma esperança de que você retribua a gentileza – o que não é de forma alguma
garantido.
Uma frase de três
palavras, em que duas são uma palavra tão leve como "gentileza", pode
muito bem ser instrumento de uma postura reativa, preguiçosa de dar o primeiro
passo, que se encosta nas atitudes alheias para justificar as próprias
grosserias. Justificativas como essa, que colocam sempre a culpa nos outros,
são ótimas muletas para que não se reaja quando é necessária atitude.
Normalmente estão na boca de pessoas que querem sempre que algum
"outro" resolva o problema; que quando têm a oportunidade de agir,
dizem algo como "se nunca fizeram por mim, por que sou eu quem vai
fazer?" E nesse mundo de falso moralismo, em que o outro é sempre mais
responsável do que eu, vamos seguindo como uma multidão de insatisfeitos,
revoltosos e incompetentes, esperando que a primeira gentileza seja feita pelo
outro para que, talvez, eu responda.
Como tratar a
gentileza com o respeito que merece o termo? Como diferenciá-la da ingenuidade
em um mundo que tem dificuldade de enxergá-la? A postura gentil precisa ser
acompanhada da consciência do que se está a defender, ou será solapada por quem
a toma por tolice. Gentileza nem sempre gera gentileza, não no mundo em que
vivemos. E para chegar a esse mundo, são necessárias atitudes muito mais
enfáticas, muito mais proativas e muito menos medrosas de ferir sentimentos.
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