06/05/2015

Distinções básicas

Em meio às trocas humanas temos contato com todo tipo de argumentação. Algumas são mais elaboradas, outras planas; algumas lógicas, outras emotivas; outras ainda concentram sua força na autoridade de um título, de uma posição hierárquica ou de um saber restrito a um pequeno grupo ou a uma mente insana. O conhecimento humano passa por momentos de calmaria e tensão, e é geralmente nos últimos que muita coisa se mexe dentro de nós, seja no caminho oposto ou similar àqueles das pessoas com quem discutimos.
Um campo fértil para as discussões acaloradas e a mais variada gama de argumentos é a metafísica. Ateísmo, religião, secularismo, crença, fé, moral, comportamento… Muito se mistura nesse campo e, infelizmente, é fácil perder a linha de raciocínio e escorregar para outra questão, para um “mas isso me lembra”, para um “mas e no caso de…”; isso quando a discussão não perde qualidade e apela para o “seu grupo faz isso” ou o “quem pensa como você é…”.
Sem querer entrar em exemplos particulares ou na própria polêmica da metafísica, proponho algumas distinções que considero importantes no discurso de qualquer um. Distinções que com certeza não esgotarão o assunto, mas que têm o potencial de fazer avançar a discussão para além de algumas confusões conceituais.
Falo, é claro, de uma posição particular, de um ponto de vista, e não tenho a pretensão de me colocar acima das paixões humanas e fazer uma análise desprovida de opinião. Sem ela, talvez nem me importasse com esse tipo de distinção. Seguem algumas delas, para um começo de conversa:
1ª Convencer-se de um argumento é uma coisa. Achar que por isso todas as outras pessoas têm que se convencer é outra. Existem tantas possibilidades de raciocínio ao longo da vida de um indivíduo que é simplesmente impossível esperar coerência absoluta até mesmo do mais disciplinado grupo, muito menos entre todos os indivíduos.
2ª A existência de deuses, de céu e inferno, ou de vida após a morte é uma coisa. A existência do mundo, das pessoas, de sentimentos e de valores é outra. Se a sua crença diz que todas essas coisas estão ligadas, argumente, mas não espere que isso seja um pressuposto de todos os envolvidos na conversa.
3ª Passar por um processo reflexivo e chegar a uma conclusão é uma coisa. Achar que quem não chegou à mesma conclusão que você é alguém que não pensa é outra. Talvez falte a você mesmo o tipo de reflexão que o outro teve; talvez a sua reflexão seja uma etapa de outra maior; ou talvez o outro precise de mais tempo para chegar ao que você chegou.
4ª Concordar com a moral defendida por um líder é uma coisa. Permitir que esse líder determine todas as suas decisões sem filtro, mesmo que prejudiquem outras pessoas, por causa daquela primeira concordância, é outra coisa.
5ª Existe o deus cristão e existem deuses hindus, zoroastras, xintoístas, umbandistas e tantos outros. Se você quer discutir algum deus, faça a gentileza de deixar claro de qual está falando. Cabe lembrar também que existem religiões teístas e não teístas, assim como pessoas sem religião.
6ª Apreciar os ensinamentos de um livro, de um autor ou de uma determinada filosofia é uma coisa. Defendê-los cegamente sem ao menos ler criticamente seu conteúdo e sem permitir que outros o façam é outra. Se para a sua religião um livro é sagrado, você pode esperar que ele seja referência máxima de quem é da sua religião, não de todas as pessoas.
7ª Balizar o seu modo de vida em um guia de conduta é uma coisa. Achar que a evocação a esse guia serve de argumento absoluto em qualquer discussão, mesmo com quem não tem a mesma referência que você, é outra.
8ª O que você quer que seja a verdade é uma coisa. A verdade, se é que existe uma, não necessariamente é uma concretização do que você deseja. Assim, não é porque “tem que ser” que é; não é porque “tem que fazer sentido” que faz; não é porque “tem que ter uma ligação” que tem.
9ª Celebrar e conviver com pessoas que acreditam na mesma coisa que você é uma coisa. Oprimir, excluir e fazer sentir-se mal quem pensa diferente é outra. Sabemos que isso pode ser feito de forma explícita ou implícita, por meio de ações ou omissões, e que ambas as formas são opressivas.
10ª Esperar respeito à sua visão de mundo é uma coisa. Achar que ninguém deve reagir quando você tenta enfiar-lhes o que pensa goela abaixo é outra. Cada um de nós escolhe as suas batalhas, o quanto estamos dispostos e emocionalmente preparados a enfrentar. Quando sua emoção sobrepujar a sua capacidade de analisar a coerência do que está fazendo, pense mais um pouco antes de continuar.

Existem outras distinções, e tenho certeza que de muitas eu nem me dei conta ainda. O que acredito é que podemos evoluir bastante nas nossas reflexões e debates se fizermos o esforço de identificá-las.

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