18/05/2010

Esquadrão da opressão

Tive a infeliz oportunidade, dia desses, de assistir a um programa de TV que passava por volta das nove horas da noite sobre vestir-se. Disseminava com ares de estar fazendo algo necessário o que não é muito mais do que uma filosofia da futilidade, em que as pessoas devem combinar cores e texturas para sentir-se bem.

Não me oponho a cada pessoa ter seu gosto e escolher as roupas com que vestir-se. Mas sou contra o constrangimento alheio a abrir mão de escolhas próprias para, em vez disso, corresponder a julgamentos.

A televisão deveria ser meio de utilidade pública, enriquecimento ou entretenimento sadio. O que eu testemunhei foi a propagação do deboche contra as escolhas legítimas; a rejeição da liberdade de escolha em prol da imposição do que é “certo” ou “bonito” através dos apresentadores. “Certo” e “bonito” que não é nem acessível nem conveniente a todas as pessoas.

É claro que quem elabora o programa pensa nos ganhos comerciais da propaganda e nos ganhos de audiência. Mas é exatamente a audiência que me instiga: será que chegam a se perguntar para quê essa padronização do certo e do errado em escolher os panos que vão cobrir-lhe o corpo em uma ou outra situação?

Será que já se perguntaram que sentido faz ficar se preocupando e apontando supostos erros de combinação nos outros e em si mesmos?
Teriam alguma vez se importado se o que estão promovendo é algo útil para o mundo ou apenas a proliferação de inseguranças, consumismo vazio, produção socialmente irresponsável, alienação e manutenção de um ambiente miserável de valores em prol de ficar olhando o que o outro está vestindo e sentir-se mal por se afastar de modinhas?

Os apresentadores pagam a pessoa para participar. Nessa hora mexem com um ponto sensível– o bolso. E aqueles que aceitam esse dinheiro alimentam uma indústria de “ter que se vestir bem” e de “usar as roupas que a televisão diz que são legais” que vai acabar como uma armadilha. Sim, pois apoiam um mundo que exigirá de si mesmas que gastem mais dinheiro para conseguir um emprego, para serem aceitas por um grupo mal desenvolvido nesse tipo de reflexão, para trabalhar em paz sem coleguinhas fazendo comentários e risinhos sobre as suas roupas. Esse dinheiro ganho naquele momento vai reverter na promoção de um ambiente mais consumista, mais superficial e exigente, a que a própria pessoa será submetida mais tarde.


Será que a audiência desse circo imagina que a promoção desse tipo de “uso” do tempo vai recair sobre si mes
mo na forma de valorização do que veste e não do que é? Pensa que promove o mau uso dos recursos pessoais e mundiais e no fortalecimento de pressões sociais completamente fúteis?












Pensa?

Um comentário:

  1. Muito bom Luciana, eu não poderia ter dito nada mais eloqüente sobre esse programa.
    Não pra menos é invenção de americano e é claro, nós como macacos de circo copiamos, assim como tantos outros programas de conteudo duvidoso.

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