Quando somos crianças
aprendemos a gostar de contos de fadas, histórias de bruxas, animais falantes e
dragões que terminam com uma bela lição de moral. Por mais que a história seja
completamente mentirosa – e que saibamos disso – somos levados a crer que a
lição de moral deve ser levada a sério. Se com as personagens fictícias
aconteceu, deve acontecer conosco: com essa “lógica” aceitamos, nos encantamos
e reproduzimos os famosos contos.
De uma criança é difícil
pedir que use a razão para analisar o mundo real, que é muito mais complexo que
as histórias infantis, e dos adultos temos medo. Temos medo de subestimar,
temos medo de desrespeitar, temos medo de sermos tachados de negativistas e
seguimos deixando que a maioria dos adultos ao nosso redor tire conclusões
sobre a vida com base em contos de fadas.
Quem nunca viu alguém
compartilhar a frase “profissionais construíram o Titanic, um amador construiu
a arca”? Eu já vi, e já vi adultos com presumível capacidade de distinguir
fantasia de realidade vibrarem com o que essa frase “prova”. Já vi dissertarem
sobre como não é assim tão necessário ser profissional, porque afinal, Noé não
foi. Só se esquecem de um detalhe: que a arca de Noé nunca existiu, e que o
Titanic virou notícia por ser uma exceção, e não a regra. Porque geralmente
trabalhos profissionais são sim necessários para que as coisas corram bem,
porque quando um trabalho profissional dá errado, vira notícia, e – adivinhem –
notícia é aquele fato extraordinário, que pela experiência ou simples bom senso
ninguém espera que aconteça.*
Ou seja: mesmo sabendo
que os projetos mais confiáveis são feitos por profissionais; mesmo sabendo que
a arca de Noé nunca existiu - por favor, me digam que não acreditam que todas
as espécies animais conviveram em casalzinho em um barco enquanto o mundo
inteiro alagou - mesmo assim priorizam a fábula ao bom senso e tentam fazer com
que outros adultos moldem suas vidas a partir de metáforas infantis.
Da mesma forma, tem gente
que acredita em fábulas históricas, como a ditadura que resolve problemas
políticos, econômicos e morais. Vi um moço dizendo que foi à manifestação do
dia 15 de março porque acredita que a ditadura daria um “reset” no sistema,
começaria tudo do zero e aí então as coisas passariam a funcionar. É tão
gritante a ignorância com relação à natureza humana, aos jogos de poder, à
dinâmica econômica, às práticas desumanas da época da ditadura e à conjuntura
em que a ditadura tanto se instalou como deixou o caminho livre para o retorno
à democracia, que só acreditando em conto de fadas alguém pode achar que a
ditadura daria um “reset” no sistema político.
É como aquele que não
entende de sistema prisional, judiciário ou sociologia da violência, que acha
que matando ou prendendo todo mundo se resolve tudo. É preguiça de pensar, que
leva às soluções mais dramáticas e mais fantasiosas. Falta humildade
para assumir que não se sabe do que está falando e deixar que quem entende do
assunto decida.
Outra pessoa, na mesma discussão, disse que não é preciso entender de política, que basta assistir à televisão para entender que tudo vai
mal e que o governo atual é o corrupto. Outra
mentira. Agrada o ego de quem não tem estudo, que passa a se sentir qualificado
para falar de política a partir do momento em que acredita na Globo, mas é
mentira. É sim preciso entender de política para falar de corrupção. Ou pelo
menos ter bom senso e perceber que ela existe em outros partidos. Entender
desde quando, como, por que e como resolver vai muito além de assistir
televisão, sinto muito.
Exemplos são exaustivos.
Na discussão sobre o conceito de núcleo familiar promovida pelo Senado, tem
gente preocupada com a possibilidade de crianças serem adotadas por casais homossexuais, mas tem gente
querendo dizer que Adão e Eva devem ser considerados pelo Estado para decidir leis.
Está na hora de deixar de
ter medo de desiludir adultos; está na hora de ser um pouco menos
polidos-covardes e mostrar a falta de lógica nos discursos que as pessoas compartilham como verdade inquestionável; ou nunca deixaremos de
ser uma sociedade de crianças grandes. Precisamos de mais adultos.
*Neste vídeo, Marcos Rolim explica um pouco de como a mídia trata casos de violência e como isso impacta na própria violência: https://www.youtube.com/watch?v=tCTGNfNsTrE
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