É muito gostoso ver
frases curtas e filosofias simples de se viver a vida, como se nelas estivesse
a resposta para todos os males da humanidade. Mas sinto dizer: o mundo não é
plano, as pessoas não são claras e as lógicas não são simples.
As coisas são e
existem sem necessariamente fazer sentido, e ainda assim multidões se desgastam
e gastam seus recursos buscando um fio mágico que ligue toda a trama de
acontecimentos das suas vidas, dentro de um mundo ainda mais cheio de tramas,
que para elas “tem que ter um porquê”. Não concebem – talvez nem queiram conceber
- que talvez não haja uma trama, mas fios soltos, enrolados, misturados e
confusos. Quem disse que tem que haver uma ordem por trás de tudo? Não faz
parte da evolução mesma a mudança de rumo, a revisão de posturas, a tentativa
de algo diferente?
Seres humanos mudam o
tempo todo e reconhecem isso em si mesmos. Quem disser que nunca mudou de
ideia, que nunca se decepcionou ou adotou outra postura está mentindo. Ainda
assim, muitos insistem em achar que o “universo”, os fatos e os outros seres
humanos são lineares, coesos e passíveis de explicação.
É comum ouvir em
discussões de trabalho ou família as pessoas tentando entender o que se passa
na cabeça de outras, como se essas outras tivessem planos estruturados e
seguissem enredos para alcançar objetivos (que geralmente envolvem o
especulador em questão). Não percebem que esses planos que lhes atribuem são
inviáveis para quem luta pela vida; que ninguém tem condições de escrever uma
novela e jogar xadrez com pessoas vivas de modo a determinar as linhas do
destino. Às vezes esperamos dos outros uma coerência que é impossível ter quando
se tem a mente aberta para as alternativas do mundo. O que eu acreditava ontem
pode estar em total desacordo com o que me move hoje, se eu tiver aprendido
algo novo, e isso acontece com os outros também.
Desconfio até que a
maioria das pessoas somente se deixa levar, reagindo ao que acontece a cada
momento, sem se importar muito se isso faz algum sentido no longo prazo. Depois
tenta encontrá-lo, talvez, ou simplesmente atribui a origem do que fez a um
momento de desequilíbrio, fome, opinião. Há sempre uma boa justificativa para o
que não soubemos racionalizar. Há sempre uma articulação de pensamentos que nos
fará ficar em paz com nossas próprias incoerências. Se não fizer sentido, basta
atribui-lo depois, buscando elementos de qualquer um dos milhares de dias durante
os quais passamos pela vida tentando acertar.
Não somos planos, o
mundo não é uma peça de tecido com fios encadeados e as pessoas não são simples
e muito menos compreensíveis. Somos seres errantes vivendo, interpretando e
fazendo escolhas diferentes a cada momento. Tentando acertar, errando; mudando
de ideia quanto ao que é certo, fazendo escolhas que contradizem as primeiras,
depois. Simplesmente, sem grandes planos ou pretensões maquiavélicas, com
raríssimas exceções. E se nós mesmos somos tão inconstantes, imaginar que o
conjunto dessas inconstâncias é um plano maior com coerência última exige, no
mínimo, muita imaginação. Ou talvez se coloque nesse plano infinito e invisível
a esperança de que alguma coisa nesse mundo embaralhado tenha algum sentido.
No entanto, os "ditos populares" se preservam na cultura, atravessando gerações. Por que isso?
ResponderExcluirPor um lado, podemos explicar essa permanência sugerindo que os ditos são inconsciente - ainda que ativamente - transmitidos de uma geração à outra, e que aqueles jovens que dominam os ditos, dominam parte das referências culturais que são testadas para se obter status.
Contra essa idéia vem a observação de que os demais elementos culturais sujeitos a esta dinâmica se transformam, e que portanto a imutabilidade dos ditos não é explicada por essa dinâmica.
Outra sugestão é a de que os ditos que permanecem apresentam aspectos perenes da vida humana: relações sociais, conflitos emocionais, e, mais recentemente, relações de trabalho expropriativas. Essa sugestão é mais explicativa da imutabilidade dos ditos: eles não mudam porque aquilo que eles representam do real não muda (ou melhor dizendo, é sempre re-realizado). Mas esta sugestão não esclarece como os ditos se transmitem verticalmente.
Então me parece que uma explicação balanceada, uma paremiologia histórica por assim dizer, exige esses dois eixos: uma explicação à Bourdieu de sua transmissão familiar, e uma explicação filosófica de sua relevância perene.
Rê.
Nunca deixei um comentário a este comentário, mas é porque achei bom e não sabia nem o que dizer. Só para deixar claro.
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